VAMOS APRUMAR A CONVERSA? FONTE – A HISTÓRIA DA CANÇÃO - Foi na surpresa de uma manhã na segunda metade dos anos 1980, quando ela chegou na minha timidez: - Eu amo você! E não previa tal fato no meio do passeio público, transeuntes em volta, a vida agitada correndo louca e tascou-me um beijo tão possessivo quanto verdadeiro que jamais pude esquecer. Senti seus ávidos lábios salientes a dar-me com prazer o que a solidão me negava a todo momento e nos fizemos juntos por dentro da tarde até saber-lhe os segredos possíveis da primeira vez. No segundo encontro ela deu-me a alma e a calcinha: - É tudo seu. E me deu seu corpo com todas as vestes de suas encarnações. Eu já me tinha embalado em versos a solfejar a querer que ela viesse nua de manhã plantar a luz do sol com sua fonte a minar e em mim se escorrer... e se escorreu e toda manhã ela abria os braços e me guardava no refúgio de sua intimidade mais secreta até ter-lhe o âmago inteiro desvelado sobre a minha cupidez. E aguando com ternura a nossa emoção para lá de cobiçada, nascemos e renascemos todos os dias um no outro para que o amor nos desse a vida plena para amar. E beijei-lhe o ventre e ela se lambuzou no meu, como se mergulhássemos no gozo do rio pro orgasmo do mar. E nos fizemos ondas a rolar os dias e todas as nossas sensações. E foi demais na alma, no corpo, no sexo e nos beijos de todos os afagos e delícias. O tempo ruía pra nós como se tudo desexistisse enquanto ela me prendia entre as pernas, sexo no sexo, exigindo que eu lhe fizesse um poema em canção, uma poesia no seu corpo, um canto na sua alma. – Faça! E quanto mais usufruía dos seus encantos, todas as palavras se soltavam e saltavam do prazer dela para me fazer poeta da sua canção, escritor da sua alma, o cantor da sua vida. E nos incendiávamos de gozo a misturar a voz com os grunhidos de sua aflição para superar a foz que nos desse por limite o sedento de infinito pra diluir-se em flor e quando eu chegava ao ápice ela se fazia mãe com todos acalantos que eu nem sabia, pra me fazer menino na sua púbis e a me beijar até que da próxima vez não fosse o fim e que pudéssemos ir além do já fomos para sermos maiores e superiores que tudo que possa existir. E beijava meus olhos e lambia minhas mãos, tórax, língua na minha pele e por toda carne para ter em si meu gosto e eu o seu querer. Ah, era tudo demais. Muito demais. E a noite era dia e o dia a tarde e a tarde o mundo e o universo todo no seu corpo. E isso foi todas as manhãs, todas as tardes e todas as noites por anos seguidos. Nunca me senti tão poderoso, tão dono do pedaço com sua servidão que me fez senhor de tudo pela primeira vez. Ela era o meu cajado e nela tudo era possível desde as mais priscas eras até o mais remoto futuro. Ela se fez meu violão para dela tirar todas as notas e acordes e me deu uma canção pronta que exalou do seu corpo e me fez cantá-la sexualmente todas as manhãs, tardes e noites no seu voluptuoso prazer. E me fez menino por seus mimos no meu sexo, por seus beijos e carícias, e me fez amante pras suas caprichosas encenações de poderio querendo mais do que imaginava poder lhe dar. E me fez homem adulto como quem quisera uma segurança de guerreiro viril; e me fez seu escravo nas horas de se entregar para me dar o prazer até então nunca sentido. E foi assim por anos. A sua entrega além do silêncio até o meu domínio por completo e o seu gozo mais que desesperante e satisfatório. Chamei-lhe Raoom, dei-lhe uma canção e lhe escrevi a Paixão Legendária. Não só tenho história pra contar, eu vivi e amei. Veja o clipe da canção aqui ou aqui. E mais aqui, aqui e aqui.
Imagem: After The Bath, da artista plástica estadunidense Mary Minifie.
Curtindo o álbum Embalar (Circus
Produções, 2013), décimo disco da cantora e compositora Ná Ozzetti.
A ÁGUIA E A GALINHA – O livro A águia e a galinha – a metáfora da condição humana (Vozes, 1997), do
escritor, teólogo e professor universitário Leonardo Boff, está dividido em sete capítulos contando a história
de uma águia criada como uma galinha, questionando em como equilibrar essas
duas dimensões e como impedir que a cultura da homogeneização afogue a águia
dentro de nós e nos impeça de voar. Da obra destaco o trecho Todo ponto de
vista é a vista de um ponto: Ler
significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E
interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um
ponto. Para . entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e
qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura. A cabeça
pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o
lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que
experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas
da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre
uma interpretação. Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor. Porque
cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir
do mundo que habita. Com estes pressupostos vamos contar a história de uma águia,
criada como galinha. Essa história será lida e compreendida como uma metáfora
da condição humana. Cada um lerá e relerá conforme forem seus olhos.
Compreenderá e interpretará conforme for o chão que seus pés pisam. Os antigos
bem diziam: habent sua fata libelli, os livros têm seu próprio destino. Tinham
razão, porque o destino dos livros está ligado ao destino dos leitores. E aí
entram em cena a águia e a galinha, carregadas de significação, como veremos ao
longo de nossa história. Esperamos que para você a águia e a galinha se
transformem também em símbolos e sacramentos da busca humana por integração e
por equilíbrio dinâmico. Desejamos que a águia sepultada desperte e voe,
ganhando altura e ampliando os horizontes de sua releitura e compreensão de
você mesmo e do mundo. Convidamos você a fazer-se, junto com as forças diretivas
do universo, criadora/co-criadora do mundo criado e por criar. Veja mais
aqui e aqui.
MANA
MARIA – O livro Mana Maria (José Olympio, 1936), é um
romance inacabado do escritor Alcântara
Machado (1901-1937), do qual destaco o trecho do capítulo I: - Vá perguntar pra mana Maria. Era assim desde que
a mãe morrera. Era assim a propósito de tudo. Mana Maria é que resolvia,
mandava, punha e dispunha, fazia, desfazia. E Ana Teresa obedecia. Quando Dona
Purezinha morreu, deixou Ana Teresa com dez anos. Tinha duas tranças compridas
e com uma delas quis enxugar as lágrimas diante do cadáver da mãe. E foi ai que
sentiu pela primeira vez a nova autoridade. Mana Maria deu um puxão na trança e
lhe pôs um lenço na mão: - Enxugue com o lenço. Lenço seco. De fato a coragem
de mana Maria foi uma coisa que admirou toda a gente. Não derramou uma lágrima.
Não teve um gesto, uma expressão de sofrimento. Ninguém esperava tanta
fortaleza de ânimo num corpo tão franzino. Dona Purezinha agonizou seis meses
com um cancro no piloro. Era gorda, foi ficando magrinha. Também era boa,
paciente, e foi ficando má, impertinente. Parecia que tudo nela morria, menos
os olhos que enxergavam uma sombra de poeira na cômoda e os ouvidos que
percebiam lá longe, na cozinha, o bater de um prato na pia. Em torno dela foi
se fazendo um silêncio que já era de túmulo. Primeiro se suprimiu o piano de
Ana Teresa. Para ela foi uma alegria. Mesmo a aula de Português, Aritmética,
Geografia, História do Brasil, Religião, Desenho e Caligrafia, tudo ensinado
por Dona Mercedes, passou para o porão. No porão vivia. Subia para almoçar,
lanchar, jantar, dormir. Fora disso, mal punha os pés na escada que conduzia â
copa, uma criada, a irmã, o pai, alguém falava: - Não venha que mamãe está
doente. Era o estribilho. Pegava no voador, rodava dez metros no cimento do
jardim, uma janela se abria: - Não faça barulho! Mamãe está doente! Na mesa,
não queria sopa ou queria pão com manteiga e açúcar: - Seja boazinha. Olhe que
mamãe está doente. Aos poucos se habituou. Ficava no quarto grande do porão
horas e horas vendo a arrumadeira passar roupa. Também ia visitar o galinho
garnisé. Corria atrás dele, ele não se deixava pegar, ela dizia: - Não faça
barulho que mamãe está doente. Até que chegou também o dia do garnisé. O canto
dele incomodava Dona Purezinha. Foi para a faca. E Ana Teresa nem direito de
chorar teve porque mamãe estava doente. Já era sossegada de natureza, ficou uma
santinha na opinião da cozinheira. Parecia gente grande. Amorteceram com
algodão a campainha da entrada, a campainha do telefone. Todos se entendiam por
gestos. Joaquim Pereira pensou até em imitar o vizinho senador que quando a mulher
esteve para morrer arranjou uns grilos que não deixavam os choferes tocarem
cláxon nas imediações. Mas desprovido de qualquer influência política desistiu
da ideia. Ana Teresa passou a fazer parte do silêncio: se perturbava quando
falavam perto dela. Quase no ouvido da professora segredava as capitais dos
Estados do Brasil. E ficou com o hábito de responder movendo a cabeça,
sacudindo os ombros, movendo as mãos. A boniteza dela não entristeceu: ficou
indiferente, perdeu a vivacidade, ficou distante. Uma madrugada mana Maria
acordou Ana Teresa. Como estava, de camisola e descalça, foi levada até o
quarto de Dona Purezinha. O pai a ergueu nos braços, molhou de lágrimas o rosto
dela, abraçou forte, beijou muito a filha. Depois falou: - Venha beijar sua
mãezinha que foi pro céu. No quarto estavam um padre, o médico, a enfermeira,
tio Laerte e a mulher dele, tia Carlota. Ana Teresa sacudida pelo choro agarrou
na mão da morta, deu um beijo. Porém silencioso. Alguém falou: -
"Pobrezinha". Com certeza tia Carlota que a tirou do quarto. Ana
Teresa viu no fundo do corredor uma vela acesa nas mãos de mana Maria. Teve
medo, dobrou o braço no rosto. Voltou carregada pro seu quarto. Ainda ouviu
mana Maria falar: - É bom que tio Laerte vá encomendar o caixão. Na hora do
enterro é que mana Maria não a deixou enxugar os olhos com a trança. Foi o
primeiro gesto de mando. E por isso Ana Teresa nunca mais esqueceu dele. Era um
quadro que ela via sempre. Sobretudo de noite, no escuro, de olhos fechados, na
cama: a sala repleta, o caixão muito alto e florido, a cara barbuda do pai, o
jeito duro com que mana Maria lhe puxou a trança, lhe deu o lenço. Lenço seco. E
três dias depois, logo de manhã cedo, Ana Teresa teve a revelação física de mana
Maria. Até então nunca reparara direito na irmã. Quer dizer: reparara sim, mas
sem compreender. Nessa manhã ela principiou a compreender. Pela primeira vez a
viu de óculos. E isso já foi uma surpresa. Nunca suspeitara da existência
daqueles óculos de aros de tartaruga. Nunca, nunca mana Maria pusera os óculos
na presença dela. Pois mana Maria a recebeu assim, de óculos. Estava com a
costureira e mandara chamar Ana Teresa para tomar as medidas. Ana Teresa ficou
em pé, no meio do quarto, imóvel, com os olhos nos óculos. A arrumadeira
entrou, Ana Teresa olhou para ela e viu também nos olhos dela a mesma surpresa
dos óculos. Nunca, nunca mana Maria aparecera de óculos para ninguém. Ana
Teresa se deixou dominar por aqueles vidros redondos, aqueles aros de tartaruga
manchada. Sentiu a autoridade daqueles óculos. Aumentou nela o respeito que já
tinha pela irmã mais velha e que a levava instintivamente a chamá-la mana
Maria. Não Maria simplesmente. A irmã, quinze anos mais velha, impôs-se desde
logo ao respeito de Ana Teresa. E esse respeito se exprimiu como de regra por
um título: mana Maria valia por Doutora Maria, Excelentíssima Senhora Baronesa
Maria, Sua Majestade a Rainha Maria. Sempre a chamou assim. [...] Veja mais aqui.
PARAÍSO
PERDIDO – A obra poética
do século XVII, Paraíso perdido (Paradise Lost, 1667), do
poeta, polemista e intelectual inglês John
Milton (1608-1674), foi construída em dez cantos e, posteriormente, em doze
cantos em memória à Eneida de Virgilio, descrevendo a história cristã da queda
do homem, através da tentação de Adão e Eva por Lúcifer e a sua expulsão do
Jardim do Éden. Da obra destaco o trecho do Livro I: Proposição do assunto do poema: a desobediência do homem,
resultando-lhe daqui a perda do Paraíso em que fora colocado; a Serpente, ou
antes Satã dentro da Serpente, motivou esta desgraça, depois que ele,
revoltando-se contra Deus, e metendo em seu partido muitas legiões de anjos,
foi expulso do Céu e arrojado ao Inferno com toda essa multidão por ordem de
Deus. Depois lança-se logo o poema para o meio do assunto, e mostra Satã com
seus anjos dentro do Inferno, descrito não no centro da criação (porque Céu e
Terra devem então supor-se ainda não feitos), mas nas trevas exteriores mais
propriamente chamadas Caos. Ali Satã, boiando com seu exército num mar de fogo,
crestados todos pelos raios e perdido o tino, afinal torna a si como de um
letargo, chama pelo que era o seu imediato em dignidade e poder, e que ali
perto jazia; conferem ambos acerca de sua miserável queda. Satã brada por todas
as suas legiões que até então se conservavam na mesma confusão e letargo:
levantam-se elas; mostra-se o seu número e ordem de batalha; dizem-se os nomes
de seus principais chefes que correspondem aos ídolos conhecidos depois em Canaã
e países adjacentes. Satã dirige-lhes a palavra, anima-os com a esperança de
ainda reconquistarem o Céu, e ultimamente noticia-lhes que vão ser criados um
novo mundo e nova qualidade de criaturas, atendendo a uma antiga profecia ou
rumor em voga pelo Céu (pois que, segundo a opinião de muitos antigos Padres,
existiam os anjos muito antes da criação visível). Para achar a verdade desta
profecia e o que se há de fazer depois, ele convoca uma plena assembleia.
Procedimento de seus sócios. O Pandemônio, palácio de Satã, ergue-se subitamente
construído no Inferno; os pares infernais ali se assentam em conselho. Do homem
primeiro canta, empírea Musa, A rebeldia — e o fruto, que, vedado, Com seu
mortal sabor nos trouxe ao Mundo A morte e todo o mal na perda do Éden, Até que
Homem maior pôde remir-nos E a dita celestial dar-nos de novo. Do Orebe ou do
Sinai no oculto cimo Estarás tu, que ali auxílios deste Ao pastor que primeiro
aos escolhidos Ensinou como do confuso Caos Se ergueram no princípio o Céu e a
Terra? Ou mais te agrada Sião e a clara Siloé Que mana ao pé do oráculo do
Eterno? Lá donde estás, invoco o teu socorro Para este canto meu que hoje
aventuro, Decidido a galgar com vôo inteiro Muito por cima da montanha Aônia, De
assuntos ocupado que inda o Mundo Tratados não ouviu em prosa ou verso. E tu
mais que ela, Espírito inefável, Que aos templos mais magníficos preferes Morar
num coração singelo e justo, Instrui-me porque nada se te encobre. Desde o
princípio a tudo estás presente: Qual pomba, abrindo as asas poderosas, Pairaste
sobre a vastidão do Abismo E com almo portento o fecundaste: Da minha mente a
escuridão dissipa, Minha fraqueza eleva, ampara, esteia, Para eu poder, de tal
assunto ao nível, Justificar o proceder do Eterno E demonstrar a Providência
aos homens. Dize primeiro, tu que observas tudo No Céu sublime, no profundo
Inferno, Dize primeiro a causa irresistível Que mover pôde os pais da prole
humana, Em tão próspera sina, ao Céu tão caros, A apostatar de Deus que o ser
lhes dera E a transgredir a lei que lhes ditara, Sendo só num objeto
restringidos, No mais senhores do universo Mundo: Quem lhes urdiu a sedução
malvada Que os lançou em tão feia rebeldia? O Dragão infernal. Com torpe
engano, Por inveja e vinganças instigado, Ele iludiu a mãe da humana prole, Lá
depois que seu ímpeto soberbo O expulsara dos Céus coa imensa turba Dos
rebelados anjos, seus consócios. Confiado num exército tamanho, Aspirando no
Empíreo a ter assento De seus iguais acima, destinara Ombrear com Deus, se Deus
se lhe opusesse, E com tal ambição, com tal insânia, Do Onipotente contra o
Império e trono Fez audaz e ímpio guerra, deu batalhas. Mas da altura da
abóbada celeste Deus, coa mão cheia de fulmíneos dardos, O arrojou de cabeça ao
fundo Abismo, Mar lúgubre de ruínas insondável, A fim que atormentado ali
vivesse Com grilhões de diamante e intenso fogo O que ousou desafiar em campo o
Eterno. Pelo espaço que abrange no orbe humano Nove vezes o dia e nove a noite,
Ele com sua multidão horrenda, A cair estiveram derrotados Apesar de imortais,
e confundidos Rolaram nos cachões de um mar de fogo. Sua condenação, porém, o
guarda Para mais fero horror: e vendo agora Perdida a glória, perenal a pena, Este
duplo prospecto na alma o punge. Lança em roda ele então os tristes olhos Que
imensa dor e desalento atestam, Soberba empedernida, ódio constante: Eis quando
de improviso vê, contempla, Tão longe como os anjos ver costumam, A terrível
mansão, torva, espantosa, Prisão de horror que imensa se arredonda Ardendo como
amplíssima fornalha. Mas luz nenhuma dessas flamas se ergue; Vertem somente
escuridão visível Que baste a pôr patente o hórrido quadro Destas regiões de
dor, medonhas trevas Onde o repouso e a paz morar não podem, Onde a esperança,
que preside a tudo, Nem sequer se lobriga: os desgraçados Interminável aflição
lacera E de fogo um dilúvio alimentado De enxofre abrasador, inconsumptível. A
justiça eternal tinha disposto Para aqueles rebeldes este sítio: Ali foram nas
trevas exteriores Seu cárcere e recinto colocados, Longe do excelso Deus, da
luz empírea, Distância tripla da que os homens julgam Do centro do orbe à
abóbada estrelada. Oh! como esse lugar, onde ora penam, É diverso do Céu donde
caíram! Logo o monstro descobre a turba vasta Dos tristes que na queda tem por
sócios Arfando em tempestuosos torvelinos Do undoso lume que hórrido os
flagela. Próximo dele ali coas vagas luta O anjo, imediato seu em mando e
crimes, Que foi chamado nas vindouras eras Belzebu, nome à Palestina grato. Então
o arqu’inimigo, que no Empíreo Foi chamado Satã desde esse tempo, O silêncio
horroroso enfim quebrando, Nesta frase arrogante assim lhe fala: “És tu,
arcanjo herói! Mas em que abismo Te puderam lançar! Como diferes Do que eras lá
da luz nos faustos reinos, Onde, sobre miríades brilhantes, Em posto tão subido
fulguravas! Mútua liga, conselhos, planos mútuos, Esperanças iguais, iguais
perigos Uniram-nos na empresa de alta glória; Mas agora a desgraça nos ajunta Deste
horrível estrago nos tormentos! Caídos de que altura e em qual abismo Nos
achamos aqui tão derrotados! Co’os raios tanto pôde o que é mais forte. Té’gora
quem sabia ou suspeitava Dessas armas cruéis a valentia? Mas nem por elas, nem
por quanta raiva Possa infligir-me o Vencedor potente, Não me arrependo, de
tenção não mudo, Posto mudado estar meu brilho externo. Rancor extremo tenho
imerso n’alma Pela alta injúria feita a meu heroísmo: Ele impeliu-me a combater
o Eterno, E trouxe logo às férvidas batalhas Inúmera aluvião de armados Gênios Que
dele o império aborrecer ousaram, E, a mim me preferindo, opor quiseram [...]. Veja
mais aqui.
MAMBEMBE – Na burleta em três atos e doze quadros
O Mambembe (1904), do dramaturgo,
escritor e jornalista Artur Azevedo
(1855-1908), destaco o quadro I do ato primeiro: Sala
de um plano só em casa de dona Rita. Ao fundo, duas janelas pintadas. Porta à
esquerda dando para a rua, e porta à direita dando para interior da casa. CENA
I MALAQUIAS, moleque, depois EDUARDO. (Ao levantar o pano, a cena está vazia.
Batem à porta da esquerda.) MALAQUIAS (Entrando da direita.) — Quem será tão
cedo? Ainda não deu oito horas! (Vai abrir a porta da esquerda.) Ah! é seu
Eduardo! EDUARDO (Entrando pela esquerda.) —Adeus, Malaquias. Quedê dona Rita?
Já está levantada? MALAQUIAS — Tá lá dentro, sim, sinhô. EDUARDO — E dona
Laudelina? MALAQUIAS — Inda tá drumindo, sim, sínhô. EDUARDO — Vai dizer a dona
Rita que eu quero falar com ela. MALAQUIAS — Sim, sinhô. (Puxando conversa.) Seu
Eduardo onte tava bom memo! EDUARDO — Tu assististe ao espetáculo? MALAQUIAS —
Ora, eu não falho! Siá dona Rita não me leva, mas eu fujo e vou. Fico no fundo
espiando só! EDUARDO — Gostas do teatro, hein? MALAQUIAS — Quem é que não gosta
do que é bão? Que coisa bonita quando seu Eduardo fingia que morreu quase no
fim! Xi! Parecia que tava morrendo memo. Só se via o branco do olho! E dona
Laudelina ajoelhada, abraçando seu Eduardo! Seu Eduardo tava morrendo, mas tava
gostando, não é, seu Eduardo? EDUARDO — Gostando, por quê? Cala-te! MALAQUIAS —
Então Malaquia não sabe que seu Eduardo gosta de dona Laudelina? EDUARDO — E
ela?... Gosta de mim? MALAQUIAS — Eu acho que gosta... pelo meno não gosta de
outro... eu sou fino; se ela tivesse outro namorado, eu via logo. Aquele moço
que mora ali no chalé azu, que diz que é guarda-livro, outro dia quis se engraçá
com ela e ela bateu coa jinela na cara dele: pá... eu gostei memo porque gosto
de seu Eduardo, e sei que seu Eduardo gosta dela! EDUARDO — Toma lá quinhentos
réis. MALAQUIAS — Ih! Obrigado, seu Eduardo. (Vai a sair pela direita. Entra
dona Rita.) DONA RITA — Que ficaste fazendo aqui, moleque? MALAQUIAS — Nada,
não, senhora; fui abri a porta a seu Eduardo e ia dizê a vosmecê que ele tava ai.
DONA RITA — Vai acabar de lavar a louça, mas vê lá se me quebras alguma coisa.
(A Eduardo.) Não se passa um dia que este capeta não me quebra um prato... um copo...
uma xícara... Vai! MALAQUIAS — Sim, senhora. (Sai pela direita.) [...]. Veja mais aqui e aqui.
LA
MUJER SIN CABEZA – O filme
La mujer sin cabeza (A mulher sem
cabeça, 2008), da premiada cineasta argentina Lucrecia Martel, é um drama e mistério que conta a história de uma
mulher que comete um acidente atropelando alguém na estrada, pelo qual ela se
envolve de preocupações até achar ter esse mau momento acabado quando surge a
notícia de uma descoberta macabra que revive todos os seus temores. Trata-se de um encantador filme realizado por uma cineasta que é meritória de aplausos reconhecidos pelos prêmios arrebatados. Veja mais aqui.
ENTREVISTA, VERSOS & BLOGS – (Imagem: Fotos do acervo de Luciah Lopez) Conheci a poeta e blogueira paranaense Luciah Lopez já faz um bom tempo, inclusive destacando seu trabalho poético nas minhas páginas. Costumo sempre visitar um de seus blogs, o Arquétipo, do qual destaco inicialmente o poema Mulher: Eu sou Aquela que você não vê / ___a que caminha sobre a Água e sobre o Fogo / e não teme o Vento que levanta as ondas / nem os Raios que acordam os medos / Sou a Hora dos dos teus Delírios / e dos teus Anseios de mais querer ____ sou endiabrado Ser que te persegue / Mulher de Ouro e Prata / de Fogo e gema preciosa____ sempre nas mãos os cabelos / à tecer o teu destino / (emaranhado, enovelado) preso no tear dos / fios e dos cílios de olhares enviesados / Eu sou a boca que te sorri / sou a Redenção da pele em Espasmo / sou a metade da tua Sombra e o Sal / do teu suor / Eu sou o Sono que espera o Sonho / sou o Caminho dos teus Pés / Sou o Tempo ante o tempo que te persegue. Também o delicioso poema Orgasmo: teu falo e teu falar / incendeiam o meu corpo / em ondas ora mansas ora tormentas à me embalar num possuir sem fim... / Teu falo / teu ferro em brasa; / tua marca na minha pele arde e dói enquanto me faz submissa à beijar te os pés... / Teu falo / me fala e deságua gametas em profusão / na fusão do gozo / orgasmo que é só meu. Por fim, o seu poema Vem, não demora: _________com o olhar percorro a distância / quilômetros de ansiedade a eriçar-me os pelos / e ferver o sangue / nas corredeiras sob a pele. / Meu corpo tenso__meu ventre em fogo / arde! / Te quero! / Vem, / ajuda-me a saciar a fome da sua pele / a sede do teu suor na minha língua / a minha boca engolindo a sua. / Não demora! / Vem, / traga o seu desejo / o seu sexo / a sua força / o seu corpo sobre o meu. / Traga a sua loucura / se deite com a minha insanidade / deixa as suas mãos me rasgando a carne / e sua boca balbuciando obscenidades / _______desrespeite a minha pureza! / Me segure / me bate / me morde / me lambe / não deixe nada no lugar / ...e antes que a noite termine, ; adormeça-me no teu peito nu. Depois desses deliciosos versos, ela me concedeu uma entrevista e pude reunir alguns de seus belos poemas selecionados por ela mesma. Veja a entrevista aqui.
IMAGEM DO DIA:
DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada à atriz Adriana Alves, rainha da bateria da
Unidos de Vila Maria e madrinha da bateria da escola de samba Pérola Negra.