segunda-feira, dezembro 14, 2015

FONTE, BOFF, JOHN MILTON, ALCÂNTARA MACHADO, ARTUR AZEVEDO, NÁ OZZETTI, LUCIAH LOPEZ & MUITO MAIS!




VAMOS APRUMAR A CONVERSA? FONTE – A HISTÓRIA DA CANÇÃO - Foi na surpresa de uma manhã na segunda metade dos anos 1980, quando ela chegou na minha timidez: - Eu amo você! E não previa tal fato no meio do passeio público, transeuntes em volta, a vida agitada correndo louca e tascou-me um beijo tão possessivo quanto verdadeiro que jamais pude esquecer. Senti seus ávidos lábios salientes a dar-me com prazer o que a solidão me negava a todo momento e nos fizemos juntos por dentro da tarde até saber-lhe os segredos possíveis da primeira vez. No segundo encontro ela deu-me a alma e a calcinha: - É tudo seu. E me deu seu corpo com todas as vestes de suas encarnações. Eu já me tinha embalado em versos a solfejar a querer que ela viesse nua de manhã plantar a luz do sol com sua fonte a minar e em mim se escorrer... e se escorreu e toda manhã ela abria os braços e me guardava no refúgio de sua intimidade mais secreta até ter-lhe o âmago inteiro desvelado sobre a minha cupidez. E aguando com ternura a nossa emoção para lá de cobiçada, nascemos e renascemos todos os dias um no outro para que o amor nos desse a vida plena para amar. E beijei-lhe o ventre e ela se lambuzou no meu, como se mergulhássemos no gozo do rio pro orgasmo do mar. E nos fizemos ondas a rolar os dias e todas as nossas sensações. E foi demais na alma, no corpo, no sexo e nos beijos de todos os afagos e delícias. O tempo ruía pra nós como se tudo desexistisse enquanto ela me prendia entre as pernas, sexo no sexo, exigindo que eu lhe fizesse um poema em canção, uma poesia no seu corpo, um canto na sua alma. – Faça! E quanto mais usufruía dos seus encantos, todas as palavras se soltavam e saltavam do prazer dela para me fazer poeta da sua canção, escritor da sua alma, o cantor da sua vida. E nos incendiávamos de gozo a misturar a voz com os grunhidos de sua aflição para superar a foz que nos desse por limite o sedento de infinito pra diluir-se em flor e quando eu chegava ao ápice ela se fazia mãe com todos acalantos que eu nem sabia, pra me fazer menino na sua púbis e a me beijar até que da próxima vez não fosse o fim e que pudéssemos ir além do já fomos para sermos maiores e superiores que tudo que possa existir. E beijava meus olhos e lambia minhas mãos, tórax, língua na minha pele e por toda carne para ter em si meu gosto e eu o seu querer. Ah, era tudo demais. Muito demais. E a noite era dia e o dia a tarde e a tarde o mundo e o universo todo no seu corpo. E isso foi todas as manhãs, todas as tardes e todas as noites por anos seguidos. Nunca me senti tão poderoso, tão dono do pedaço com sua servidão que me fez senhor de tudo pela primeira vez. Ela era o meu cajado e nela tudo era possível desde as mais priscas eras até o mais remoto futuro. Ela se fez meu violão para dela tirar todas as notas e acordes e me deu uma canção pronta que exalou do seu corpo e me fez cantá-la sexualmente todas as manhãs, tardes e noites no seu voluptuoso prazer. E me fez menino por seus mimos no meu sexo, por seus beijos e carícias, e me fez amante pras suas caprichosas encenações de poderio querendo mais do que imaginava poder lhe dar. E me fez homem adulto como quem quisera uma segurança de guerreiro viril; e me fez seu escravo nas horas de se entregar para me dar o prazer até então nunca sentido. E foi assim por anos. A sua entrega além do silêncio até o meu domínio por completo e o seu gozo mais que desesperante e satisfatório. Chamei-lhe Raoom, dei-lhe uma canção e lhe escrevi a Paixão Legendária. Não só tenho história pra contar, eu vivi e amei. Veja o clipe da canção aqui ou aqui. E mais aqui, aqui e aqui.


Imagem: After The Bath, da artista plástica estadunidense Mary Minifie.


Curtindo o álbum Embalar (Circus Produções, 2013), décimo disco da cantora e compositora Ná Ozzetti.

A ÁGUIA E A GALINHA – O livro A águia e a galinha – a metáfora da condição humana (Vozes, 1997), do escritor, teólogo e professor universitário Leonardo Boff, está dividido em sete capítulos contando a história de uma águia criada como uma galinha, questionando em como equilibrar essas duas dimensões e como impedir que a cultura da homogeneização afogue a águia dentro de nós e nos impeça de voar. Da obra destaco o trecho Todo ponto de vista é a vista de um ponto: Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para . entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação. Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita. Com estes pressupostos vamos contar a história de uma águia, criada como galinha. Essa história será lida e compreendida como uma metáfora da condição humana. Cada um lerá e relerá conforme forem seus olhos. Compreenderá e interpretará conforme for o chão que seus pés pisam. Os antigos bem diziam: habent sua fata libelli, os livros têm seu próprio destino. Tinham razão, porque o destino dos livros está ligado ao destino dos leitores. E aí entram em cena a águia e a galinha, carregadas de significação, como veremos ao longo de nossa história. Esperamos que para você a águia e a galinha se transformem também em símbolos e sacramentos da busca humana por integração e por equilíbrio dinâmico. Desejamos que a águia sepultada desperte e voe, ganhando altura e ampliando os horizontes de sua releitura e compreensão de você mesmo e do mundo. Convidamos você a fazer-se, junto com as forças diretivas do universo, criadora/co-criadora do mundo criado e por criar. Veja mais aqui e aqui.

MANA MARIA – O livro Mana Maria (José Olympio, 1936), é um romance inacabado do escritor Alcântara Machado (1901-1937), do qual destaco o trecho do capítulo I: - Vá perguntar pra mana Maria. Era assim desde que a mãe morrera. Era assim a propósito de tudo. Mana Maria é que resolvia, mandava, punha e dispunha, fazia, desfazia. E Ana Teresa obedecia. Quando Dona Purezinha morreu, deixou Ana Teresa com dez anos. Tinha duas tranças compridas e com uma delas quis enxugar as lágrimas diante do cadáver da mãe. E foi ai que sentiu pela primeira vez a nova autoridade. Mana Maria deu um puxão na trança e lhe pôs um lenço na mão: - Enxugue com o lenço. Lenço seco. De fato a coragem de mana Maria foi uma coisa que admirou toda a gente. Não derramou uma lágrima. Não teve um gesto, uma expressão de sofrimento. Ninguém esperava tanta fortaleza de ânimo num corpo tão franzino. Dona Purezinha agonizou seis meses com um cancro no piloro. Era gorda, foi ficando magrinha. Também era boa, paciente, e foi ficando má, impertinente. Parecia que tudo nela morria, menos os olhos que enxergavam uma sombra de poeira na cômoda e os ouvidos que percebiam lá longe, na cozinha, o bater de um prato na pia. Em torno dela foi se fazendo um silêncio que já era de túmulo. Primeiro se suprimiu o piano de Ana Teresa. Para ela foi uma alegria. Mesmo a aula de Português, Aritmética, Geografia, História do Brasil, Religião, Desenho e Caligrafia, tudo ensinado por Dona Mercedes, passou para o porão. No porão vivia. Subia para almoçar, lanchar, jantar, dormir. Fora disso, mal punha os pés na escada que conduzia â copa, uma criada, a irmã, o pai, alguém falava: - Não venha que mamãe está doente. Era o estribilho. Pegava no voador, rodava dez metros no cimento do jardim, uma janela se abria: - Não faça barulho! Mamãe está doente! Na mesa, não queria sopa ou queria pão com manteiga e açúcar: - Seja boazinha. Olhe que mamãe está doente. Aos poucos se habituou. Ficava no quarto grande do porão horas e horas vendo a arrumadeira passar roupa. Também ia visitar o galinho garnisé. Corria atrás dele, ele não se deixava pegar, ela dizia: - Não faça barulho que mamãe está doente. Até que chegou também o dia do garnisé. O canto dele incomodava Dona Purezinha. Foi para a faca. E Ana Teresa nem direito de chorar teve porque mamãe estava doente. Já era sossegada de natureza, ficou uma santinha na opinião da cozinheira. Parecia gente grande. Amorteceram com algodão a campainha da entrada, a campainha do telefone. Todos se entendiam por gestos. Joaquim Pereira pensou até em imitar o vizinho senador que quando a mulher esteve para morrer arranjou uns grilos que não deixavam os choferes tocarem cláxon nas imediações. Mas desprovido de qualquer influência política desistiu da ideia. Ana Teresa passou a fazer parte do silêncio: se perturbava quando falavam perto dela. Quase no ouvido da professora segredava as capitais dos Estados do Brasil. E ficou com o hábito de responder movendo a cabeça, sacudindo os ombros, movendo as mãos. A boniteza dela não entristeceu: ficou indiferente, perdeu a vivacidade, ficou distante. Uma madrugada mana Maria acordou Ana Teresa. Como estava, de camisola e descalça, foi levada até o quarto de Dona Purezinha. O pai a ergueu nos braços, molhou de lágrimas o rosto dela, abraçou forte, beijou muito a filha. Depois falou: - Venha beijar sua mãezinha que foi pro céu. No quarto estavam um padre, o médico, a enfermeira, tio Laerte e a mulher dele, tia Carlota. Ana Teresa sacudida pelo choro agarrou na mão da morta, deu um beijo. Porém silencioso. Alguém falou: - "Pobrezinha". Com certeza tia Carlota que a tirou do quarto. Ana Teresa viu no fundo do corredor uma vela acesa nas mãos de mana Maria. Teve medo, dobrou o braço no rosto. Voltou carregada pro seu quarto. Ainda ouviu mana Maria falar: - É bom que tio Laerte vá encomendar o caixão. Na hora do enterro é que mana Maria não a deixou enxugar os olhos com a trança. Foi o primeiro gesto de mando. E por isso Ana Teresa nunca mais esqueceu dele. Era um quadro que ela via sempre. Sobretudo de noite, no escuro, de olhos fechados, na cama: a sala repleta, o caixão muito alto e florido, a cara barbuda do pai, o jeito duro com que mana Maria lhe puxou a trança, lhe deu o lenço. Lenço seco. E três dias depois, logo de manhã cedo, Ana Teresa teve a revelação física de mana Maria. Até então nunca reparara direito na irmã. Quer dizer: reparara sim, mas sem compreender. Nessa manhã ela principiou a compreender. Pela primeira vez a viu de óculos. E isso já foi uma surpresa. Nunca suspeitara da existência daqueles óculos de aros de tartaruga. Nunca, nunca mana Maria pusera os óculos na presença dela. Pois mana Maria a recebeu assim, de óculos. Estava com a costureira e mandara chamar Ana Teresa para tomar as medidas. Ana Teresa ficou em pé, no meio do quarto, imóvel, com os olhos nos óculos. A arrumadeira entrou, Ana Teresa olhou para ela e viu também nos olhos dela a mesma surpresa dos óculos. Nunca, nunca mana Maria aparecera de óculos para ninguém. Ana Teresa se deixou dominar por aqueles vidros redondos, aqueles aros de tartaruga manchada. Sentiu a autoridade daqueles óculos. Aumentou nela o respeito que já tinha pela irmã mais velha e que a levava instintivamente a chamá-la mana Maria. Não Maria simplesmente. A irmã, quinze anos mais velha, impôs-se desde logo ao respeito de Ana Teresa. E esse respeito se exprimiu como de regra por um título: mana Maria valia por Doutora Maria, Excelentíssima Senhora Baronesa Maria, Sua Majestade a Rainha Maria. Sempre a chamou assim. [...] Veja mais aqui.

PARAÍSO PERDIDO – A obra poética do século XVII, Paraíso perdido (Paradise Lost, 1667), do poeta, polemista e intelectual inglês John Milton (1608-1674), foi construída em dez cantos e, posteriormente, em doze cantos em memória à Eneida de Virgilio, descrevendo a história cristã da queda do homem, através da tentação de Adão e Eva por Lúcifer e a sua expulsão do Jardim do Éden. Da obra destaco o trecho do Livro I: Proposição do assunto do poema: a desobediência do homem, resultando-lhe daqui a perda do Paraíso em que fora colocado; a Serpente, ou antes Satã dentro da Serpente, motivou esta desgraça, depois que ele, revoltando-se contra Deus, e metendo em seu partido muitas legiões de anjos, foi expulso do Céu e arrojado ao Inferno com toda essa multidão por ordem de Deus. Depois lança-se logo o poema para o meio do assunto, e mostra Satã com seus anjos dentro do Inferno, descrito não no centro da criação (porque Céu e Terra devem então supor-se ainda não feitos), mas nas trevas exteriores mais propriamente chamadas Caos. Ali Satã, boiando com seu exército num mar de fogo, crestados todos pelos raios e perdido o tino, afinal torna a si como de um letargo, chama pelo que era o seu imediato em dignidade e poder, e que ali perto jazia; conferem ambos acerca de sua miserável queda. Satã brada por todas as suas legiões que até então se conservavam na mesma confusão e letargo: levantam-se elas; mostra-se o seu número e ordem de batalha; dizem-se os nomes de seus principais chefes que correspondem aos ídolos conhecidos depois em Canaã e países adjacentes. Satã dirige-lhes a palavra, anima-os com a esperança de ainda reconquistarem o Céu, e ultimamente noticia-lhes que vão ser criados um novo mundo e nova qualidade de criaturas, atendendo a uma antiga profecia ou rumor em voga pelo Céu (pois que, segundo a opinião de muitos antigos Padres, existiam os anjos muito antes da criação visível). Para achar a verdade desta profecia e o que se há de fazer depois, ele convoca uma plena assembleia. Procedimento de seus sócios. O Pandemônio, palácio de Satã, ergue-se subitamente construído no Inferno; os pares infernais ali se assentam em conselho. Do homem primeiro canta, empírea Musa, A rebeldia — e o fruto, que, vedado, Com seu mortal sabor nos trouxe ao Mundo A morte e todo o mal na perda do Éden, Até que Homem maior pôde remir-nos E a dita celestial dar-nos de novo. Do Orebe ou do Sinai no oculto cimo Estarás tu, que ali auxílios deste Ao pastor que primeiro aos escolhidos Ensinou como do confuso Caos Se ergueram no princípio o Céu e a Terra? Ou mais te agrada Sião e a clara Siloé Que mana ao pé do oráculo do Eterno? Lá donde estás, invoco o teu socorro Para este canto meu que hoje aventuro, Decidido a galgar com vôo inteiro Muito por cima da montanha Aônia, De assuntos ocupado que inda o Mundo Tratados não ouviu em prosa ou verso. E tu mais que ela, Espírito inefável, Que aos templos mais magníficos preferes Morar num coração singelo e justo, Instrui-me porque nada se te encobre. Desde o princípio a tudo estás presente: Qual pomba, abrindo as asas poderosas, Pairaste sobre a vastidão do Abismo E com almo portento o fecundaste: Da minha mente a escuridão dissipa, Minha fraqueza eleva, ampara, esteia, Para eu poder, de tal assunto ao nível, Justificar o proceder do Eterno E demonstrar a Providência aos homens. Dize primeiro, tu que observas tudo No Céu sublime, no profundo Inferno, Dize primeiro a causa irresistível Que mover pôde os pais da prole humana, Em tão próspera sina, ao Céu tão caros, A apostatar de Deus que o ser lhes dera E a transgredir a lei que lhes ditara, Sendo só num objeto restringidos, No mais senhores do universo Mundo: Quem lhes urdiu a sedução malvada Que os lançou em tão feia rebeldia? O Dragão infernal. Com torpe engano, Por inveja e vinganças instigado, Ele iludiu a mãe da humana prole, Lá depois que seu ímpeto soberbo O expulsara dos Céus coa imensa turba Dos rebelados anjos, seus consócios. Confiado num exército tamanho, Aspirando no Empíreo a ter assento De seus iguais acima, destinara Ombrear com Deus, se Deus se lhe opusesse, E com tal ambição, com tal insânia, Do Onipotente contra o Império e trono Fez audaz e ímpio guerra, deu batalhas. Mas da altura da abóbada celeste Deus, coa mão cheia de fulmíneos dardos, O arrojou de cabeça ao fundo Abismo, Mar lúgubre de ruínas insondável, A fim que atormentado ali vivesse Com grilhões de diamante e intenso fogo O que ousou desafiar em campo o Eterno. Pelo espaço que abrange no orbe humano Nove vezes o dia e nove a noite, Ele com sua multidão horrenda, A cair estiveram derrotados Apesar de imortais, e confundidos Rolaram nos cachões de um mar de fogo. Sua condenação, porém, o guarda Para mais fero horror: e vendo agora Perdida a glória, perenal a pena, Este duplo prospecto na alma o punge. Lança em roda ele então os tristes olhos Que imensa dor e desalento atestam, Soberba empedernida, ódio constante: Eis quando de improviso vê, contempla, Tão longe como os anjos ver costumam, A terrível mansão, torva, espantosa, Prisão de horror que imensa se arredonda Ardendo como amplíssima fornalha. Mas luz nenhuma dessas flamas se ergue; Vertem somente escuridão visível Que baste a pôr patente o hórrido quadro Destas regiões de dor, medonhas trevas Onde o repouso e a paz morar não podem, Onde a esperança, que preside a tudo, Nem sequer se lobriga: os desgraçados Interminável aflição lacera E de fogo um dilúvio alimentado De enxofre abrasador, inconsumptível. A justiça eternal tinha disposto Para aqueles rebeldes este sítio: Ali foram nas trevas exteriores Seu cárcere e recinto colocados, Longe do excelso Deus, da luz empírea, Distância tripla da que os homens julgam Do centro do orbe à abóbada estrelada. Oh! como esse lugar, onde ora penam, É diverso do Céu donde caíram! Logo o monstro descobre a turba vasta Dos tristes que na queda tem por sócios Arfando em tempestuosos torvelinos Do undoso lume que hórrido os flagela. Próximo dele ali coas vagas luta O anjo, imediato seu em mando e crimes, Que foi chamado nas vindouras eras Belzebu, nome à Palestina grato. Então o arqu’inimigo, que no Empíreo Foi chamado Satã desde esse tempo, O silêncio horroroso enfim quebrando, Nesta frase arrogante assim lhe fala: “És tu, arcanjo herói! Mas em que abismo Te puderam lançar! Como diferes Do que eras lá da luz nos faustos reinos, Onde, sobre miríades brilhantes, Em posto tão subido fulguravas! Mútua liga, conselhos, planos mútuos, Esperanças iguais, iguais perigos Uniram-nos na empresa de alta glória; Mas agora a desgraça nos ajunta Deste horrível estrago nos tormentos! Caídos de que altura e em qual abismo Nos achamos aqui tão derrotados! Co’os raios tanto pôde o que é mais forte. Té’gora quem sabia ou suspeitava Dessas armas cruéis a valentia? Mas nem por elas, nem por quanta raiva Possa infligir-me o Vencedor potente, Não me arrependo, de tenção não mudo, Posto mudado estar meu brilho externo. Rancor extremo tenho imerso n’alma Pela alta injúria feita a meu heroísmo: Ele impeliu-me a combater o Eterno, E trouxe logo às férvidas batalhas Inúmera aluvião de armados Gênios Que dele o império aborrecer ousaram, E, a mim me preferindo, opor quiseram [...]. Veja mais aqui.

MAMBEMBE – Na burleta em três atos e doze quadros O Mambembe (1904), do dramaturgo, escritor e jornalista Artur Azevedo (1855-1908), destaco o quadro I do ato primeiro: Sala de um plano só em casa de dona Rita. Ao fundo, duas janelas pintadas. Porta à esquerda dando para a rua, e porta à direita dando para interior da casa. CENA I MALAQUIAS, moleque, depois EDUARDO. (Ao levantar o pano, a cena está vazia. Batem à porta da esquerda.) MALAQUIAS (Entrando da direita.) — Quem será tão cedo? Ainda não deu oito horas! (Vai abrir a porta da esquerda.) Ah! é seu Eduardo! EDUARDO (Entrando pela esquerda.) —Adeus, Malaquias. Quedê dona Rita? Já está levantada? MALAQUIAS — Tá lá dentro, sim, sinhô. EDUARDO — E dona Laudelina? MALAQUIAS — Inda tá drumindo, sim, sínhô. EDUARDO — Vai dizer a dona Rita que eu quero falar com ela. MALAQUIAS — Sim, sinhô. (Puxando conversa.) Seu Eduardo onte tava bom memo! EDUARDO — Tu assististe ao espetáculo? MALAQUIAS — Ora, eu não falho! Siá dona Rita não me leva, mas eu fujo e vou. Fico no fundo espiando só! EDUARDO — Gostas do teatro, hein? MALAQUIAS — Quem é que não gosta do que é bão? Que coisa bonita quando seu Eduardo fingia que morreu quase no fim! Xi! Parecia que tava morrendo memo. Só se via o branco do olho! E dona Laudelina ajoelhada, abraçando seu Eduardo! Seu Eduardo tava morrendo, mas tava gostando, não é, seu Eduardo? EDUARDO — Gostando, por quê? Cala-te! MALAQUIAS — Então Malaquia não sabe que seu Eduardo gosta de dona Laudelina? EDUARDO — E ela?... Gosta de mim? MALAQUIAS — Eu acho que gosta... pelo meno não gosta de outro... eu sou fino; se ela tivesse outro namorado, eu via logo. Aquele moço que mora ali no chalé azu, que diz que é guarda-livro, outro dia quis se engraçá com ela e ela bateu coa jinela na cara dele: pá... eu gostei memo porque gosto de seu Eduardo, e sei que seu Eduardo gosta dela! EDUARDO — Toma lá quinhentos réis. MALAQUIAS — Ih! Obrigado, seu Eduardo. (Vai a sair pela direita. Entra dona Rita.) DONA RITA — Que ficaste fazendo aqui, moleque? MALAQUIAS — Nada, não, senhora; fui abri a porta a seu Eduardo e ia dizê a vosmecê que ele tava ai. DONA RITA — Vai acabar de lavar a louça, mas vê lá se me quebras alguma coisa. (A Eduardo.) Não se passa um dia que este capeta não me quebra um prato... um copo... uma xícara... Vai! MALAQUIAS — Sim, senhora. (Sai pela direita.) [...]. Veja mais aqui e aqui.

LA MUJER SIN CABEZA – O filme La mujer sin cabeza (A mulher sem cabeça, 2008), da premiada cineasta argentina Lucrecia Martel, é um drama e mistério que conta a história de uma mulher que comete um acidente atropelando alguém na estrada, pelo qual ela se envolve de preocupações até achar ter esse mau momento acabado quando surge a notícia de uma descoberta macabra que revive todos os seus temores. Trata-se de um encantador filme realizado por uma cineasta que é meritória de aplausos reconhecidos pelos prêmios arrebatados. Veja mais aqui.


ENTREVISTA, VERSOS & BLOGS – (Imagem: Fotos do acervo de Luciah Lopez) Conheci a poeta e blogueira paranaense Luciah Lopez já faz um bom tempo, inclusive destacando seu trabalho poético nas minhas páginas. Costumo sempre visitar um de seus blogs, o Arquétipo, do qual destaco inicialmente o poema Mulher: Eu sou Aquela que você não vê / ___a que caminha sobre a Água e sobre o Fogo / e não teme o Vento que levanta as ondas / nem os Raios que acordam os medos / Sou a Hora dos dos teus Delírios / e dos teus Anseios de mais querer ____ sou endiabrado Ser que te persegue / Mulher de Ouro e Prata / de Fogo e gema preciosa____ sempre nas mãos os cabelos / à tecer o teu destino / (emaranhado, enovelado) preso no tear dos / fios e dos cílios de olhares enviesados / Eu sou a boca que te sorri / sou a Redenção da pele em Espasmo / sou a metade da tua Sombra e o Sal / do teu suor / Eu sou o Sono que espera o Sonho / sou o Caminho dos teus Pés / Sou o Tempo ante o tempo que te persegue. Também o delicioso poema Orgasmo: teu falo e teu falar / incendeiam o meu corpo / em ondas ora mansas ora tormentas à me embalar num possuir sem fim... / Teu falo / teu ferro em brasa; / tua marca na minha pele arde e dói enquanto me faz submissa à beijar te os pés... / Teu falo / me fala e deságua gametas em profusão / na fusão do gozo / orgasmo que é só meu. Por fim, o seu poema Vem, não demora: _________com o olhar percorro a distância / quilômetros de ansiedade a eriçar-me os pelos / e ferver o sangue / nas corredeiras sob a pele. / Meu corpo tenso__meu ventre em fogo / arde! / Te quero! / Vem, / ajuda-me a saciar a fome da sua pele / a sede do teu suor na minha língua / a minha boca engolindo a sua. / Não demora! / Vem, / traga o seu desejo / o seu sexo / a sua força / o seu corpo sobre o meu. / Traga a sua loucura / se deite com a minha insanidade / deixa as suas mãos me rasgando a carne / e sua boca balbuciando obscenidades / _______desrespeite a minha pureza! / Me segure / me bate / me morde / me lambe / não deixe nada no lugar / ...e antes que a noite termine, ; adormeça-me no teu peito nu. Depois desses deliciosos versos, ela me concedeu uma entrevista e pude reunir alguns de seus belos poemas selecionados por ela mesma. Veja a entrevista aqui.


IMAGEM DO DIA:
Todo dia é dia da atriz e cantora inglesa Jane Birkin. Veja mais aqui, aqui e aqui.

DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada à atriz Adriana Alves, rainha da bateria da Unidos de Vila Maria e madrinha da bateria da escola de samba Pérola Negra.