quinta-feira, dezembro 10, 2015

CLARICE, DICKINSON, LUCRECIO, SCHWARZKOPF, DIREITOS HUMANOS, FECAMEPA & MUITO MAIS!


VAMOS APRUMAR A CONVERSA? A CONCORRÊNCIA DA PALHAÇADA - Veja a que ponto nós chegamos. A arte milenar do palhaço tem sofrido, principalmente no Brasil, além de uma concorrência desleal, uma mudança de conceito para sua pior qualificação, visto passar a ser praticada por estroinas cretinos que degeneram e tornam esse fazer artístico numa infame categoria. Tendo-se registro de que existe desde 2500aC, presumindo-se mesmo ter pelo menos uns quatro mil anos e haver, ao longo da história, desempenhado importantes papéis desde a antiguidade no Egito, Grécia, Roma, China e até entre os astecas. Foram os lubyet, os desastrosos assistentes das dinastias chinesas, os primeiros a surgirem no oriente. Na Grécia Antiga, foram os sátiros o germe dos palhaços contemporâneos. Em Roma, os Cirros e Estúpidos levaram a arte clownesca para as ruas. Na Índia, foi a vez do palhaço Viduska que falava em Pratik, a língua da população em geral. Na Malásia, tem-se notícia do P’rang que usava máscaras com olhos enormes e grandes bochechas. Em Bali, os irmãos Penasar, o apolíneo ordeiro, e Kartalam, cheio das trapalhadas. Na Idade Média, surgem os gleemens na Escandinávia e os jongleurs na França que se transformaram nos Bobos da Corte, bufões que, como os lubyet chineses, tinham certo papel social. O primeiro Bobo da Corte que se tem notícia é Nigel Rodes, em 1649. Com a Commedia dell’arte que surgiu na Itália no século XV, surgem outras espécies como o Arlequim, com roupas de retalhos; o veneziano de vermelho Pantaleão, o de branco e verde Briguela, o Polichinelo, o Doutor, o Capitão, se expandindo para a Inglaterra com o Pulcinella de Mister Punch e o Pierrot que se transforma no clown de Grimaldi, já no séc. XVIII. Foi por esse tempo que surgiram os primeiros circos criados por Philip Astley, muito embora as raízes da cultura circense se encontrem desde as grandes dionísias na Grécia e nos circos romanos. O palhaço mais importante deste período foi o Mr. Merryman. Daí os dois tipos: palhaço e clown. Enquanto o palhaço é lírico, ingênuo, frágil, inocente e angelical, não interpreta, ele é o próprio autor expondo-se ao ridículo, com o objetivo de entreter o público, o clown tem sua origem no século XVI, significando em inglês o camponês e o seu meio rústico, o que proporcionou o surgimento de personagens como os de Chaplin, Rowan Atkinson, Jerry Lewis, entre tantos outros que nos fizeram conhecer a arte do cômico e o mundo do nariz vermelho. Hoje, com o declínio da arte circense, passaram a ocupar as ruas, o teatro, o cinema, a televisão e vários outros espaços, até que histriônicos atrapalhados que cultuam com a sua completa falta de talento e com a indumentária de fanfarrões políticos o afundamento da patriamada – só sabem meter as mãos pelas pernas para o próprio bolso, chafurdando no erário público em todos os níveis e extensões do Executivo, Legislativo e Judiciário -, decretando a completa mediocridade medida pelo Ibope e ocupando as principais manchetes de todo noticiário diariamente. Concorrência pra lá de desleal. Essa, infelizmente, a derrocada de uma arte que mereceria o respeito – o riso do bizarro nos ensina a sermos melhores -, não podendo jamais sucumbir diante das trapalhadas do Fecamepa. E vamos aprumar a conversa aqui.

 Imagem: Nude, do pintor alemão Paul Paede (1868-1929).


Curtindo o álbum The Very Best of Elisabeth Schwarzkopf (EMI, 2003), da soprano alemã Elisabeth Schwarzkopf (1915-2006) with Herbert von Karajan & the Philharmonia Orchestra.

DE RERUM NATURA – O poeta e filósofo latino Titus Lucrécio Caro (99-55aC), é autor do livro De rerum natura (Sobre a natureza das coisas), defendendo que a alma é imortal e que após o decesso, resta um simulacro, os fantasmas que assombram os vivos. Ele resgata a ideia epicurista de eidolon, termo grego, afirmando que o medo da morte criou o mito da imortalidade da alma. A Teosofia sustenta a tese da alma morredoura, mas defende que o espírito, princípio que anima a alma, é o Ser que realmente sobrevive à morte. Para ele o epicurismo era a chave que poderia desvendar os segredos do universo e garantir a felicidade humana. na sua obra ele apresenta a teoria de que a luz visível seria composta de pequenas partículas e sustenta a ideia da existência de criaturas vivas que, apesar de invisíveis, teriam a capacidade de causar doenças. É fluente a história de que Lucrécio teria bebido um filtro de amor, enlouquecido e escrito seu poema nos intervalos de lucidez, terminando por se suicidar. Da obra destaco o trecho: Ó mãe dos Enéadas, prazer dos homens e dos deuses, ó Vênus criadora, que por sob os astros errantes o navegado mar e as terras férteis em searas, por teu intermédio se concebe todo o gênero de seres vivos em, nascendo, contempla a luz do sol: por isto de ti fogem os ventos, ó deusa; de ti, mal tu chegas, se afastam as nuvens do céu; e a ti oferece a terra diligente as suaves flores, para ti sorriem os plainos do mar e o céu em paz resplandece inundado de luz. Apenas reaparece o aspecto primaveril dos dias e o sopro criador do Favônio, já livre, ganha forças, primeiro te celebram e à tua vinda, ó deusa, as aves do ar, pela tua força abalada no mais intimo do peito; depois, os animais bravios e os rebanhos saltam pelos ledos pastos e atravessam a nado as rápidas correntes; todos, possessos do teu encanto e desejo, te seguem, aonde tu os queiras levar. Finalmente pelos mares e pelos montes e pelos rios impetuosos, e pelos frondosos lares das aves, e pelos campos virentes, a todos incutindo no peito o brando amor, tu consegues que desejem propagar-se no tempo, por meio da geração. Visto que sozinha vais governando a natureza e que, sem ti, nada surge nas divinas margens da luz e nada se faz de amável e alegre, eu te procuro, ó deusa, para que me ajudes a escrever o poema que, sobre a natureza das coisas, tento compor para o nosso Mêmio, a quem tu, ó deusa, sempre quiseste conceber todas as qualidades, para que excedesse aos outros. Dá pois a meu versos, ó Vênus divina, teu perpetuo encanto. Faze, entretanto que, por mares e por terras, tranquilos se aplaquem os feros trabalhos militares; só tu podes obter para os mortais a branda paz, visto que é Marte, o senhor das armas, quem ordena esses feros trabalhos de guerra, e é ele quem muitas vezes se reclina em teu seio, vencido pela eterna ferida do amor, e, erguendo os olhos para ti, inclinando para tras a nuca roliça, fica deitado como que suspenso de teus lábios e apascenta de amor seus olhos ávidos. E tu, ó deusa, enquanto ele repousa, enlaça-o com teu corpo sagrado, solta dos lábios tuas doces palavras e pede para os romanos, ó cheia de gloria, a plácida paz. Efetivamente, nesta época terrível para a pátria, nem eu posso com serenidade realizar o meu trabalho nem o ilustre descendente dos Mêmios iria, em tais circunstancias, faltar à salvação comum [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.

A QUINTA HISTÓRIA – No livro A legião estrangeira (Autor, 1964), da escritora e jornalista Clarice Lispector (1920-1977), reúne contos e crônicas que apresenta com persistência a temática da descoberta da verdade, obsessão constante da autora. Na obra destaco A quinta história: Esta história poderia chamar-se "As Estátuas". Outro nome possível é "O Assassinato". E também "Como Matar Baratas". Farei então pelo menos três histórias, verdadeiras, porque nenhuma delas mente a outra. Embora uma única, seriam mil e uma, se mil e uma noites me dessem. A primeira, "Como Matar Baratas", começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me a queixa. Deu-me a receita de como matá-las. Que misturasse em partes iguais açúcar, farinha e gesso. A farinha e o açúcar as atrairiam, o gesso esturricaria o de dentro delas. Assim fiz. Morreram. A outra história é a primeira mesmo e chama-se "O Assassinato". Começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me. Segue-se a receita. E então entra o assassinato. A verdade é que só em abstrato me havia queixado de baratas, que nem minhas eram: pertenciam ao andar térreo e escalavam os canos do edifício até o nosso lar. Só na hora de preparar a mistura é que elas se tornaram minhas também. Em nosso nome, então, comecei a medir e pesar ingredientes numa concentração um pouco mais intensa. Um vago rancor me tomara, um senso de ultraje. De dia as baratas eram invisíveis e ninguém acreditaria no mal secreto que roía casa tão tranquila. Mas se elas, como os males secretos, dormiam de dia, ali estava eu a preparar-lhes o veneno da noite. Meticulosa, ardente, eu aviava o elixir da longa morte. Um medo excitado e meu próprio mal secreto me guiavam. Agora eu só queria gelidamente uma coisa: matar cada barata que existe. Baratas sobem pelos canos enquanto a gente, cansada, sonha. E eis que a receita estava pronta, tão branca. Como para baratas espertas como eu, espalhei habilmente o pó até que este mais parecia fazer parte da natureza. De minha cama, no silêncio do apartamento, eu as imaginava subindo uma a uma até a área de serviço onde o escuro dormia, só uma toalha alerta no varal. Acordei horas depois em sobressalto de atraso. Já era de madrugada. Atravessei a cozinha. No chão da área lá estavam elas, duras, grandes. Durante a noite eu matara. Em nosso nome, amanhecia. No morro um galo cantou. A terceira história que ora se inicia é a das "Estátuas". Começa dizendo que eu me queixara de baratas. Depois vem a mesma senhora. Vai indo até o ponto em que, de madrugada, acordo e ainda sonolenta atravesso a cozinha. Mais sonolenta que eu está a área na sua perspectiva de ladrilhos. E na escuridão da aurora, um arroxeado que distancia tudo, distingo a meus pés sombras e brancuras: dezenas de estátuas se espalham rígidas. As baratas que haviam endurecido de dentro para fora. Algumas de barriga para cima. Outras no meio de um gesto que não se completaria jamais. Na boca de umas um pouco da comida branca. Sou a primeira testemunha do alvorecer em Pompéia. Sei como foi esta última noite, sei da orgia no escuro. Em algumas o gesso terá endurecido tão lentamente como num processo vital, e elas, com movimentos cada vez mais penosos, terão sofregamente intensificado as alegrias da noite, tentando fugir de dentro de si mesmas. Até que de pedra se tornam, em espanto de inocência, e com tal, tal olhar de censura magoada. Outras — subitamente assaltadas pelo próprio âmago, sem nem sequer ter tido a intuição de um molde interno que se petrificava! — essas de súbito se cristalizam, assim como a palavra é cortada da boca: eu te... Elas que, usando o nome de amor em vão, na noite de verão cantavam. Enquanto aquela ali, a de antena marrom suja de branco, terá adivinhado tarde demais que se mumificara exatamente por não ter sabido usar as coisas com a graça gratuita do em vão: "é que olhei demais para dentro de mim! é que olhei demais para dentro de..." — de minha fria altura de gente olho a derrocada de um mundo. Amanhece. Uma ou outra antena de barata morta freme seca à brisa. Da história anterior canta o galo. A quarta narrativa inaugura nova era no lar. Começa como se sabe: queixei-me de baratas. Vai até o momento em que vejo os monumentos de gesso. Mortas, sim. Mas olho para os canos, por onde esta mesma noite renovar-se-á uma população lenta e viva em fila-indiana. Eu iria então renovar todas as noites o açúcar letal? como quem já não dorme sem a avidez de um rito. E todas as madrugadas me conduziria sonâmbula até o pavilhão? no vício de ir ao encontro das estátuas que minha noite suada erguia. Estremeci de mau prazer à visão daquela vida dupla de feiticeira. E estremeci também ao aviso do gesso que seca: o vício de viver que rebentaria meu molde interno. Áspero instante de escolha entre dois caminhos que, pensava eu, se dizem adeus, e certa de que qualquer escolha seria a do sacrifício: eu ou minha alma. Escolhi. E hoje ostento secretamente no coração uma placa de virtude: "Esta casa foi dedetizada". A quinta história chama-se "Leibnitz e a Transcendência do Amor na Polinésia". Começa assim: queixei-me de baratas. Veja mais aqui e aqui.

DENTRE TODAS AS ALMAS JÁ CRIADAS – No livro Alguns poemas (Iluminuras, 2006), da poeta estadunidense Emily Dickinson (1830-1886), destaco, inicialmente o poema Dentre todas as almas já criadas: Dentre todas as Almas já criadas / Uma - foi minha escolha / Quando Alma e Essência - se esvaírem / E a Mentira - se for - / / Quando o que é - e o que já foi - ao lado / Intrínsecos - ficarem / E o Drama efêmero do corpo / Como Areia - escoar / Quando as Fidalgas Faces se mostrarem / E a Neblina - fundir-se / Eis - entre as lápides de Barro / O Átomo que eu quis! Também o poema 67: O Sucesso é mais doce / A quem nunca sucede. / A compreensão do néctar / Requer severa sede. / Ninguém da Hoste ignara / Que hoje desfila em Glória / pode entender a clara / Derrota da Vitória. / Como esse — moribundo — / Em cujo ouvido o escasso / Eco oco do triunfo / Passa como um fracasso! Por fim, o poema 389: Houve morte na casa ali defronte — / Foi hoje, coisa recente; / Eu sei por esse ar de anestesia / Que dessas casas recende. / Vizinhos em sussurros entram e saem, / De carro afasta-se o médico, / Uma janela se abre como vagem, / De modo abrupto, automático, / E por ela atiram fora um colchão. / Crianças passam correndo — / Intrigadas — "foi ali que morreu?" / Eu ficava assim, me lembro. / Formal e teso vai entrando o clérigo, / Qual se sua a casa fosse — / Hoje são dele todos os que choram / E das crianças toma posse. / Vem o homem do armarinho — e aquele homem / Da horrorosa profissão — / O que toma as medidas para a casa. / Vai haver a soturna procissão — / Vão vir os coches, as franjas douradas / Sem nem cartaz ou rumor, / Corre fácil a intuição das notícias / Nas vilas do interior. Veja mais aqui.

A COMÉDIA LATINA - Na obra Teatro Vivo (Civita, 1976), organizada por Sábato Magaldi, encontro que: Perfilando-se aos espetáculos circenses e mimos improvisados, a comédia latina, cujos maiores representantes foram Andronicus, Plauto (254-184aC) e Terêncio (190-159aC), logo se fez aceitar pelo povo romano, enquanto a aristocracia ouvia com muita gravidade a leitura das tragédias de Sêneca (4ac-65). Estas jamais puderam concorrer com a popularidade das comedias que, apesar da pouca sutiliza psicológica, eram repletas de motivos familiares aos romanos. Nelas não faltavam disfarces, travestimentos, truques de escravos, obscenidades, vigor colorido e permanente invenção da intriga. Durante todo o período de expansão política de Roma e na fase em que o império mostrava sinais de decadência, a comedia popular manteve um público certo. E nem mesmo a adoção do Cristianismo – impondo seus valores a um mundo que se fragmentava – foi suficiente para mudar de imediato os costumes. O povo continuava vibrando com a licenciosidade do mimo e da pantomina, forma dramática sem palavras, baseada na imitação mais ou menos estilizada. No século V, numa de suas primeiras manifestações de autoridade, a igreja acabaria por excomungar os atores, medida que não foi suficiente para terminar com os espetáculos. Assim, no século seguinte, os teatros foram rigorosamente proibidos de funcionar. Veja mais aqui e aqui.


MAROCK – O polêmico longa metragem Marock (2004), da diretora e roteirista marroquina Laila Marrakchi, conta uma histórica de amor muçulmana e judaica entre dois jovens em Casablamca. A protagonista luta para completar o colegial e começa a pensar na faculdade no meio da milenar influencia muçulmana, a colonização francesa e os valores da sociedade de consumo ocidental, quando credos judaicos e muçulmanos são pacíficos, mas é um problema uma garota muçulmana se envolver com um judeu. O filme fez parte da seção Um certain regard do Festival de Cannes de 2005 e foi saudado pela crítica internacional. Veja mais aqui.


IMAGEM DO DIA:
A arte do pintor, gravador e litógrafo austríaco Peter Fendi (1796-1842).

DEDICATÓRIA
 A edição de hoje é dedicada ao Dia Internacional dos Direitos Humanos, adotado pela Assembleia Geral da ONU. Afinal, todo dia é dia de respeitar os direitos humanos.