sábado, novembro 07, 2015

KANDEL, AUBREY, CAMUS, CECÍLIA, WAGNER, SOPHIA BREYNER, RENOIR & LAURENZI.

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? E SE NADA ACONTECESSE, NADA VALERIA – Como diz o ditado: nada como um dia atrás do outro e uma noite no meio, madrugada adentro até o raiar de um novo amanhecer. Basta perceber que para alguns o entardecer é o sinal de vida: porque a noite é de descanso do trabalho estafante. Outro dia amanhece e tudo de novo. Prosseguir na árdua labuta, sem estímulos, sem incentivos, a rotina entediante, a chatura dos que são piores que pisada proposital no calo dolorido, que futucada na ferida mal sarada, que cipoada no pau da venta para desnortear o que já está confuso e perdido. O pior: estar na profissão e não sê-la. Nenhum prazer nas tarefas, nenhuma alegria nos relacionamentos, tudo avolumando situações aversivas. Tudo isso vai juntando naquelas quantas vezes se acerta errando a tropeçar de novo no erro por pensar que está certo; naquelas situações qual Sísifo subindo morro pra conquistar o desejado e quando se chega no topo, não estava lá, o prêmio está lá em baixo, e fulo da vida, praguejando aos céus e aos ventos, desce tudo de novo embolando ribanceira abaixo. Aí se tropeça, porra! Que coisa! Vai ao fundo do poço. Dali não há mais pra onde cair, se resta recomeçar tudo de novo na subida íngreme até o cúmulo dos mínimos, para se alcançar o que nem se sabe por duvidoso alcançável. É, eu mesmo quando fui, estava só; ao voltar, todos iam. Sempre assim, ledo engano. É como aqueles que sofreram mais que David Copperfield na mão do Uriah Heep das autobiografias de Dickens, ou que exasperou como Dédalus no Joyce quando jovem, ou que se viu como o Rastaquera na Foto da Capa: não mirava algum futuro. Nem um fiapinho de luz pra indicar o caminho a seguir. Pois é, quem não almejou a vitória, lutou, sangrou, persistiu e quando viu o pódium de perto, amargou a mais tremenda e vergonhosa derrota. Desabou-se tudo, o mundo caiu. Resta recolher os escombros e reorganizar tudo de novo. Assim é a vida. Valorizamos tão pouco os nossos pequenos êxitos de só nos lembrarmos das quedas com seus arranhões que nos fissuram o íntimo e nos deixam sempre com o sabor de beijo partido. Assim é a vida, não há final feliz – pelo menos para o que se entende por felicidade pela acumulação. Haverá sempre desafios a vencer. Cada êxito, novo desafio. Será que Shakespeare alcançaria a glória nos tempos de hoje? A vida passa, assim é a vida. E se nada acontecesse, nada valeria. E veja mais aqui e aqui.

 Imagem: Young Girl Bathing, do pintor impressionista francês Pierre-Auguste Renoir (1841-1919), Veja mais aqui.


Curtindo o dvd Tannhäuser (Tannhäuser und der Sängerkrieg aus Wartburg, 1845), do compositor, maestro, diretor de teatro e ensaísta alemão Richard Wagner (1813-1883), conductor Colin Davis & Chor und Orchester der Bayreuther Festspiele, soprano Gwyneth Jones. Veja mais aqui. 

AS CÉLULAS NERVOSAS & O COMPORTAMENTO – No livro Princípios de Neurociências (Artmed, 2014), do neurocientista austríaco Eric Richard Kandel et al, encontro o capítulo que trata das células nervosas e do comportamento, do qual destaco o trecho: [...] Os seres humanos são imensamente superiores a outros animais por sua capacidade de explorar seu meio ambiente. A notável variedade de comportamentos humanos e a complexidade do ambiente que 0 ser humano tem sido capaz de criar para si depende de um sofisticado arranjo de receptores sensoriais conectados a uma "maquinaria" neural altamente flexível, um cérebro, que é capaz de discriminar uma enorme variedade de eventos no ambiente, afluxo contínuo de informação a partir desses receptores e organizado pelo encéfalo em percepções (algumas das quais são armazenadas na memoria para referencia futura) e depois em respostas comportamentais apropriadas. Tudo isso é efetuado pelo cérebro usando células nervosas e as conexões entre elas. As células nervosas individuais, unidades básicas do encéfalo, tem uma morfologia relativamente simples. Apesar de 0 encéfalo humano conter um número extraordinário dessas células (da ordem de milhares de neurônios), que podem ser classificadas em pelo menos mil tipos diferentes, todas as células nervosas compartilham a mesma arquitetura básica. A complexidade do comportamento humano depende menos da especialização de células nervosas individuais e mais do fato de que muitas dessas células formam circuitos anatômicos precisos. Um dos principios-chave da organização do encéfalo, portanto, é que células nervosas com propriedades basicamente similares podem produzir acoes muito diferentes por causa do modo como estão conectadas umas as outras e aos receptores sensoriais e músculos. [...], Veja mais aqui, aqui e aqui.

A SAGA – No livro Histórias da terra e do mar (1972 – Figueirinhas, 2013), da escritora portuguesa Sophia de Mello Breyner (1919-2004), encontro o conto A saga, do qual destaco os trechos a seguir: O mar do Norte, verde e cinzento, rodeava Vig, a ilha, e as espumas varriam os rochedos escuros. Havia nesse começo de tarde um vaivém incessante de aves marítimas, as águas engrossavam devagar, as nuvens empurradas pelo vento sul acorriam e Hans viu que se estava formando a tempestade. Mas ele não temia a tempestade e, com os fatos inchados de vento, caminhou até ao extremo do promontório. O voo das gaivotas era cada vez mais inquieto e apertado, o ímpeto e o tumulto cada vez mais violentos e os longínquos espaços escureciam. A tempestade, como urna boa orquestra, afinava os seus instrumentos. Hans concentrava o seu espírito para a exaltação crescente do grande cântico marítimo. Tudo nele estava atento como quando escutava o cântico do órgão da igreja luterana, na igreja austera, solene, apaixonada e fria. Para resistir ao vento, estendeu-se ao comprido no extremo do promontório. Dali via de frente o inchar da ondulação cada vez mais densa como se as águas se fossem tornando mais pesadas. Agora as gaivotas recolhiam a terra. Só a procelária abria rente à vaga o voo duro. À direita, as longas ervas transparentes, dobradas pelo vento, estendiam no chão o caule fino. Nuvens sombrias enrolavam os anéis enormes e, sob uma estranha luz, simultaneamente sombria e cintilante, os espaços se transfiguravam. De repente, começou a chover. A família de Hans morava, no interior da ilha. Ali, o rumor marítimo só em dias de temporal, através da floresta longínqua, se ouvia. Mas ele vinha muitas vezes até à pequena vila costeira e, esgueirando-se pelas ruelas, caminhava ao longo do cais, ao lado de botes e veleiros, atravessava a praia e subia ao extremo do promontório. Ali, no respirar da vaga, ouvia o respirar indecifrado da sua própria paixão. Nesse dia, quando ao cair da noite entrou em casa, Hans curvou a cabeça. Pois aos catorze anos já tinha quase a altura de um homem e, em Vig, as portas de entrada são baixas. Assim é desde o tempo antigo das guerras quando os invasores que ocupavam a ilha penetravam nas casas de cabeça erguida mas exigiam que a gente da ilha se curvasse para os saudar. Então, os homens de Vig baixaram o lintel das suas portas para obrigarem o vencedor a baixar a cabeça. Sören, pai de Hans, era um homem alto, magro, com os olhos cor de porcelana azul, os traços secos e belas mãos sensíveis que mais tarde, durante gerações, os seus descendentes herdaram. Nele, como na igreja luterana, havia algo de austero e solene, apaixonado e frio. A casa e à família imprimia uma inominada lei de silêncio e reserva onde o espírito de cada um concentrava a sua força. De certa forma Sören reconhecia o risco que corria: sabia que é no silêncio que se escuta o tumulto, é no silêncio que o desafio se concentra. Mas ele impunha a si mesmo e aos outros uma disciplina de responsabilidade e de escolha dentro da qual cada um ficava terrivelmente livre. Havia porém algo de taciturno e ansioso em Sören: ele pensava talvez que a integridade humana, mesmo a mais perfeita, nada podia contra o destino. Do dever cumprido, da liberdade assumida, não esperava sucesso nem prosperidade, nem mesmo paz. Os seus irmãos mais novos - Gustav e NieIs - tinham morrido no naufrágio de um veleiro que lhe pertencia. Sören sabia que o seu barco era um bom barco onde ele próprio inspecionara com minúcia cada cabo e cada tábua, sabia que os seus jovens irmãos eram perfeitos homens do mar e hábil e competente o capitão a quem tudo entregara. No entanto, o navio naufragou quando a experiência e o cálculo não mediram exatamente a força e a proximidade do temporal. Mal a notícia do naufrágio foi confirmada pelo cargueiro inglês que dois dias depois recolhera ao largo os destroços do veleiro desmantelado - o mastro partido, as bóias, o bote virado - Sören vendeu os seus barcos e comprou terras no interior da ilha. Dizia-se mesmo que nunca mais olhara o mar. Dizia-se mesmo que nesse dia tinha chicoteado o mar. No entanto Hans suspirava e nas longas noites de Inverno procurava ouvir, quando o vento soprava do sul, entre o sussurrar dos abetos, o distante, adivinhado, rumor da rebentação. Carregado de imaginações queria ser, como os seus tios e avós, marinheiro. Não para navegar apenas entre as ilhas e as costas do Norte, seguindo nas ondas frias os cardumes de peixe. Queria navegar para o Sul. Imaginava as grandes solidões do oceano, o surgir solene dos promontórios, as praias onde baloiçam coqueiros e onde chega até ao mar a respiração dos desertos. Imaginava as ilhas de coral azul que são como os olhos azuis do mar. Imaginava o tumulto, o calor, o cheiro a canela e laranja das terras meridionais. Queria ser um daqueles homens que a bordo do seu barco viviam rente ao maravilhamento e ao pavor, um daqueles homens de andar baloiçado, com a cara queimada por mil sóis, a roupa desbotada e rija de sal, o corpo direito como um mastro, os ombros largos de remar e o peito dilatado pela respiração dos temporais. Um daqueles homens cuja ausência era sonhada e cujo regresso, mais navio ao longe se avistava, fazia acorrer ao cais as mulheres e as crianças de Vig e a história que eles contavam era repetida e contada de boca em boca, de geração em geração, como se cada um a tivesse vivido. Sören e Maria jantavam com os filhos, Hans e Cristina, em redor do círculo luminoso da lâmpada. Lá fora as madeiras da janela batiam, através da floresta arfava o rumor marinho da tempestade. Por entre as agulhas dos pinheiros e os ramos das bétulas perpassavam ecos, sibilâncias, gritos e, contra o céu baixo de nuvens, ressoava o longínquo tumulto da rebentação. - Sören, que notícias ouviste hoje na vila? - perguntou Maria. - Más notícias. O Elseneur devia ter entrado a barra a meio da tarde mas, ao pôr-do-sol, ainda não se avistava. Vão ser obrigados a passar o temporal e a noite no mar. - É um bom barco - disse Hans que conhecia o Elseneur palmo a palmo. - É um navio que aguenta muito mar. - Deus os guarde - murmurou Maria. Pois o Elseneur era o melhor navio de Vig e a sua tripulação era formada por gente da ilha, homens jovens que ela conhecia desde o berço, ou velhos lobos-do-mar que a conheciam desde a própria infância. Porém, nessa noite, enquanto Hans dormia, o Elseneur naufragou contra os rochedos negros das falésias. Nenhum homem se salvou. O vento espalhou os gritos no clamor da escuridão selvagem, a força das braçadas desfez-se nos redemoinhos, a água tapou as bocas. Nem os que treparam aos mastros se salvaram, nem os que se meteram nos botes, nem os que nadaram para terra. O mar quebrou tábua por tábua o casco, os mastros, os botes e os marinheiros foram rolados entre a pedra e a vaga. [...] Veja mais aqui e aqui.

CANÇÕES –No livro As canções (Portugal, 1956), da escritora, pintora, professora e jornalista Cecília Meireles (1901-1964), destaco as canções: Inesperadamente, / a noite se ilumina: / que há outra claridade / para o que se imagina. / Que sobre-humana face / vem dos caules da ausência / abrir na noite o sonho / de sua própria essência? / Que saudade se lembra / e, sem querer, murmura / seus vestígios antigos / de secreta ventura? / Que lábio se descerra / e - a tão terna distância! - / conversa amor e morte / com palavras da infância? / O tempo se dissolve: / nada mais é preciso, / desde que te aproximas, / porta do Paraíso! / Há noite? Há vida? Há vozes? / Que espanto nos consome, / de repente, mirando-nos? / ( Alma, como é teu nome?) / * / Venturosa de sonhar-te, / à minha sombra me deito. / (Teu rosto, por toda parte, / mas, amor, só no meu peito!) / -Barqueiro, que céu tão leve! / Barqueiro, que mar parado! / Barqueiro, que enigma breve, / o sonho de ter amado! / Em barca de nuvem sigo: / e o que vou pagando ao vento / para levar-te comigo / é suspiro e pensamento. / -Barqueiro, que doce instante! / Barqueiro, que instante imenso, / não do amado nem do amante: / mas de amar o amor que penso! De um lado cantava o sol, / do outro, suspirava a lua. / No meio, brilhava a tua / face de ouro, girassol! / Ó montanha da saudade / a que por acaso vim: / outrora, foste um jardim, / e és, agora eternidade! / De longe, recordo a cor / da grande manhã perdida. / Morrem nos mares da vida / todos os rios do amor? / Ai! Celebro-te em meu peito, / em meu coração de sal, / ó flor sobrenatural, / grande girassol perfeito! / Acabou-se-me o jardim! / só me resta, do passado, / este relógio dourado / que ainda esperava por mim... / * / Ó noite, negro piano, / - os sonhos soam longe, / num teclado caído / pelo fundo horizonte. / À música se inclina / o pensamento insone: / em que clave se escreve / o itinerário do homem? / (Mas as brisas celestes / que se abraçam na noite ; porém folhas de silêncio / na vaporosa fonte...) / Ó música sonhada, / - por que não corresponde / o desenho que vives / à vida que te sonhe...? Veja mais aqui e aqui.

ESTADO DE SÍTIO – A peça teatral em três partes, Estado de Sítio (1948 – Civilização Brasileira, 2002)), do escritor, dramaturgo e filósofo francês Albert Camus (1913-1960), conta uma história ocorrida numa pequena cidade litorânea assolada pela peste e dominada pelo medo. Da obra destaco o Prólogo: Abertura musical, em torno de um tema sonoro, lembrando a sirena de alerta. O pano abre-se, com a cena completamente escura. A abertura musical termina, mas o tema de alerta permanece, como um zumbido longínquo. Subitamente, ao fundo, surgindo do lado do pátio, um cometa se desloca em direção do jardim. Ilumina, em sombras chinesas, os muros de uma velha fortificação espanhola e a silhueta de vários personagens que voltam as costas ao público, imóveis, as cabeças estendidas em direção ao cometa. Soam quatro horas. O diálogo é mais ou menos incompreensível, como um resmungo. – Fim do mundo! – Não, homem! – Se o mundo acabar... – Não, homem! o mundo, mas não a Espanha! – Mesmo a Espanha pode morrer. – De joelhos. – É o cometa do Mal! – Não a Espanha, homem, não a Espanha! (Duas ou três cabeças voltam-se. Um ou dois personagens se deslocam, com precaução. Depois tudo volta à imobilidade. O zumbido torna-se, então, mais intenso, mais estridente e se desenrola, musicalmente, como uma palavra inteligível e ameaçadora. Ao mesmo tempo, o cometa cresce desmesuradamente. Bruscamente, um grito terrível de mulher, que súbito, faz silenciar a música e reduz o cometa a seu tamanho normal. A mulher foge, ofegante. Balbúrdia na praça. O diálogo, mais sibilante e mais perceptível, não está, ainda, nitidamente compreensível). – É sinal de guerra! – Certamente que é. – Não é sinal de nada. – Depende. – Basta. É o calor. – O calor de Cádiz. – Basta! – Ele sibila forte demais! – Ensurdece, sobretudo. - É uma praga, sobre a cidade! – Ai! Cádiz! Uma praga sobre ti. – Silêncio! Silêncio! (Fixam, de novo, o cometa, e, então, se ouve, desta vez, distintamente, a voz de um oficial das guardas civis). [...] Veja mais aqui e aqui.

NED RIFLE – O drama independente Ned Rifle (2014), do cineasta estadunidense Hal Hartley, é a reunião de uma sequência dos acontecimentos do filme Fay Grim, contando a história de um personagem que passou quatro anos na prisão por supostas atividades terroristas e é transferido para uma penitenciária federal para atender a uma sentença de prisão perpétua. O filho Ned Rifle, foi colocado em proteção a testemunhas com uma família cristã devota. O filme segue a intenção de do filho querer matar seu pai, por arruinar a vida de Fay Grim. Posteriormente, Ned encontra Susan, que tem uma ligação com o passado de seu pai. Trata-se de um filme que teve uma recepção favorável da crítica especializada, passando a ser bastante festejado nos meios cinematográficos. O destaque do filme vai para a belíssima atriz e comediante estadunidense Aubrey Christina Plaza que centraliza pra si todas as cenas da obra. Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA
O universo das mulheres de Paul Laurenzi


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