sexta-feira, setembro 04, 2015

CHAUÍ, ARTAUD, BRUCKNER, INGRES, GUITRY, NOBRE, ANGELI & POLA RIBEIRO.

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? COÁGULOS, COÁGULOS - Era uma vez. Era uma vez. Era uma vez duas três vezes, mais provável que nenhuma na inexistência do flagra do minuto preciso na minha vida inexata na hora em ponto! Era uma vez. Era uma vez. Era uma vez duas três vezes, mais provável que a justiça num pote encarcerada, mais provável que a remissão da lágrima na face lavada! Mais provável que nenhuma porque foi pingando na veia, escorrendo pela biqueira do peito, pela cumeeira dos sonhos evaporando desejos que findavam sangrando as ruínas do meu tempo! Do meu tempo caótico, do meu tempo patético, do meu tempo dilacerado! Eu escondo em meu peito as ruínas do meu tempo! Esse tempo apoliptico, megalomaníaco, irrespirável, fantástico de horror. Cheio de pantins, frescuras, teréns, loucuras!´Feito uma semente num invólucro das possibilidades improváveis no meio de flâmulas matemáticas de signos secretos e farsantes e alusões absurdas! Sou apenas dois braços de espera no suor redimido porque da morte já arrastei ferros e o mundo é apenas as minhas mãos enterradas no blusão, o sonho estiado e a alegria transferida para alhures. Em meu peito não cabe o pacto da pátria desfeita a terra acumulada e o homem obliterado a sujar as mãos na carne da terra e na paixão dos limites jamais alcançados pela ambição dos sentidos enquanto a lama da boca sugere traduzir amor, a boca de aço sugere traduzir amor engolindo desejos, sugere traduzir amor debulhando prazeres como o se o desejo esganasse miragens e é verdade porque o coração quer dizer verdades ou meias e não sabe o que dizer diante dessa tragédia toda. Em meu peito não cabem jamais as síndromes da China, dos afegãos, dos bancos e das cabeças! Não cabem as claques de merda pros oligopólios em alcatéias transnacionais com seu delirium-tremens do consumo no meio de uma economia falida emergindo sobre o sangue dado como aquele da escravaria açucarocrata que adoçava e adoça a boca dos festeiros enquanto a minha dor desmedida, enquanto a minha dor comungada é repisada e vira graúda criando coágulos por todo o meu corpo! E que me esfolem e me esganem pelos metros profundos dos infernos dessa terra porque mesmo assim ainda continuo a erguer cantos sobre este mundo porque das torneiras citadinas jorram sangue inocente adubados nas terras perdidas por hectares infames que só afugentam quem dela vive e morre de fome no meio de outro sonho perdido na pulsação das turbinas e outra coisa com uma marcha escabrosa de botas que guardam o patrimônio dos ricos com lesões homicidas quando outro é o meio do meio-dia e a indigência e outras são as pastilhas de carbono e o frio asfixiante da febre. Já nada é suportável neste tempo de lama e podridão e nada vale a pena e vale a pena tragar o hálito dos alicates grosseiros e compartilha da fome dos órfãos de El Salvador e da dor das mães da Praça de Mayo e dos flagelados da seca e da exclusão social do Brasil mundializado para furor inadimplente de assalariados e estornados das promessas não cumpridas de todas as políticas de mentira! Avante pra onde? Já não mendigo a vida pelos infortúnios, mazelas, porqueiras nem a devoção cega das crenças mutiladas nem da vil matéria lânguida e escassa espremida no dia-a-dia sarcófago de totens de sempre e tabus de nada! Eu vou com meu corpo cheio de holocaustos e cataclismos e o punhal da vida me avassala e maldigo a terra ficam as sombras vãs que atormentam minha sanidade e os meus desejos remendados na alegria mal-assada com os recheios fugazes que findam na dor, mas se a dor não traz nada, parafraseando Gregório, é porque enfim leva tudo e deixa a mão espalmada ao jugo da palmatória da vida! Eu vou com a chuva que explode lá fora onde a cidade sustenta seus fantasmas que pulam nas praças ruas avenidas e becos e bares e vidas sem no entanto se furtarem a pelo menos aprumarem a vida dos seus fiéis lambe-botas enquanto eu me embriago na chuva coletando os segredos dos rios com sua correnteza mansa escondendo o alvoroço do fundo e tudo encharca o meu país enxaguando essa terra embebida de sangue e suor, enxertada de sangue e suor e se dana como uma pólvora guardada no peito com o mísero crepúsculo que traz a noite e a vida já se foi pela janela e só resta cigarro e bebida e a loucura de se embriagar engolindo a ocasião inteira! Era uma vez.  Era uma vez duas três vezes. mais provável que nenhuma na sóbria ou na lúcida vontade de se perder na metafísica do espaço no meio da prismática reluzência da catarse e na carismática inocência da poesia úmida lavando a estatística do cansaço que só consegue seguir aonde vai dar dali pra diante no ignoto mudo da urdidura do vácuo. Era uma vez. Era uma vez duas três vezes, mais provável que nenhuma e sobre este mundo erguer cantos, sim! Em meu canto há minha maldição, eis o meu suor, a minha maldição: as lajes, a comunhão, o inusitado, o paradoxal, o álcool, o beijo molhado, o adeus, o agasalho, a mão meiga, a dor amedrontada, a culatra, a pulsação, o medo e a agonia. Assim me foi concedido. (Coágulos, coágulos, Luiz Alberto Machado. Primeira Reuniã. Recife: Bagaço, 1992). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.


Imagem: The source (A fonte – óleo sobre tela, 1820-1855), do pintor e desenhista Romantismo francês Dominique Ingres (1780-1867). Veja mais aqui.


Curtindo a Symphony Nº 6 (EMI GROC), do compositor austríaco Anton Bruckner (1824-1896),c om a New Philharmonia Orchestra & Otto Klemperer & lendo O menestrel de Deus – Vida e obra de Anton Bruckner (Algool, 2009), do jornalista e crítico musical Lauro Machado Coelho.

MITO FUNDADOR – O livro Brasil, mito fundador e sociedade autoritária (Fundação Perseu Abramo, 2000), da filósofa e educadora brasileira Marilena Chauí, trata de fé e orgulho, a nação como semióforo, o verdeamarelismo, o centenário, o mito fundador, entre outros assuntos. Da obra destaco o trecho: [...] Ao falarmos em mito, nós o tomamos não apenas no sentido etimológico de narração pública de feitos lendários da comunidade (isto é, no sentido grego da palavra mythos), mas também no sentido antropológico, no qual essa narrativa é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos no nível da realidade. Se também dizemos mito fundador é porque, à maneira de toda fundatio, esse mito impõe um vínculo interno com o passado como origem, isto é, com um passado que não cessa nunca, que se conserva perenemente presente e, por isso mesmo, não permite o trabalho da diferença temporal e da compreensão do presente enquanto tal. Nesse sentido, falamos em mito também na acepção psicanalítica, ou seja, como impulso à repetição de algo imaginário, que cria um bloqueio à percepção da realidade e impede lidar com ela. Um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo. Insistimos na expressão mito fundador porque diferenciamos fundação e formação. Quando os historiadores falam em formação, referem-se não só às determinações econômicas, sociais e políticas que produzem um acontecimento histórico, mas também pensam em transformação e, portanto, na continuidade ou na descontinuidade dos acontecimentos, percebidos como processos temporais. Numa palavra, o registro da formação é a história propriamente dita, aí incluídas suas representações, sejam aquelas que conhecem o processo histórico, sejam as que o ocultam (isto é, as ideologias). Diferentemente da formação, a fundação se refere a um momento passado imaginário, tido como instante originário que se mantém vivo e presente no curso do tempo, isto é, a fundação visa a algo tido como perene (quase eterno) que traveja e sustenta o curso temporal e lhe dá sentido. A fundação pretende situar-se além do tempo, fora da história, num presente que não cessa nunca sob a multiplicidade de formas ou aspectos que pode tomar. Não só isso. A marca peculiar da fundação é a maneira como ela põe a transcendência e a imanência do momento fundador: a fundação aparece como emanando da sociedade (em nosso caso, da nação) e, simultaneamente, como engendrando essa própria sociedade (ou a nação) da qual ela emana. É por isso que estamos nos referindo à fundação como mito. O mito fundador oferece um repertório inicial de representações da realidade e, em cada momento da formação histórica, esses elementos são reorganizados tanto do ponto de vista de sua hierarquia interna (isto é, qual o elemento principal que comanda os outros) como da ampliação de seu sentido (isto é, novos elementos vêm se acrescentar ao significado primitivo). Assim, as ideologias, que necessariamente acompanham o movimento histórico da formação, alimenta-se das representações produzidas pela fundação, atualizando-as para adequá-las à nova quadra histórica. É exatamente por isso que, sob novas roupagens, o mito pode repetir-se indefinidamente. [...] Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

O ESPELHO – O conto O espelho (Cultrix, 1958), do ator, cineasta e escritor russo radicado na França Sacha Guitry (1885-1957), segue transcrito: Esta aconteceu na China. Um chinês preparava-se para ir ao mercado, que fica a alguns dias de viagem. Está anoitecendo. O chinês despede-se da mulher. — Até à volta, Mel de Crisântemo. Que quer que lhe traga do mercado? — Eu queria um pente. — Um pente? Está bem. Mas eu tenho que comprar tanta coisa, como é que me vou lembrar? — Não precisará mais do que olhar para a lua. Veja: a lua é crescente. Pois bem, o pente que eu quero é exatamente da forma da lua crescente. — Até à volta. E o chinês parte. Chega ao mercado. Faz suas compras. Terminando-as, já bem tarde, lembra-se da promessa, mas não se lembra muito bem do objeto desejado pela mulher. Encontra-se, nesse momento, junto de um mercador e lhe diz: — Pois veja só: prometi levar um presente a minha mulher, mas não me lembro mais o que foi. Ah! sim, espera. Estou-me lembrando agora que ela me disse para olhar a lua. — Olhe, é lua cheia. (A lua, que estava no seu primeiro quarto no dia da partida do chinês, agora era cheia). — Deve ser um objeto redondo. E o chinês compra um espelho, paga-o, faz um pacote e põe-se a caminho para a volta. Ao chegar em casa, diz-lhe a mulher: — Bom dia, meu marido. Trouxe-me o que eu lhe pedi? — Naturalmente. Aqui está. E o chinês dá o pacote à mulher, que apressadamente o abre. Essa mulher nunca tinha visto um espelho. E vendo nele um vulto de mulher, fica indignada: — Meu marido, comprou outra mulher! E Mel de Crisântemo chora todas as lágrimas de seu pequenino coração. Os seus olhos chamam a atenção de sua mãe. — Ah! mamãe, mamãe — grita ela. — Venha ver. Meu marido trouxe para casa outra mulher. A mãe toma o espelho, olha-o e diz à filha: — Fica sossegada: é tão velha e tão feia! Veja mais aqui.

ELEGIA & SONETO, QUANDO CHEGAR A HORA – No livro Só (1892), do poeta português António Nobre, encontro inicialmente o poema Quando chegar a hora: Quando Chegar a Hora / Quando eu, feliz! morrer, / ouça, Sr. Abbade, Ouça isto que lhe peço: / Mande-me abrir, alli, uma cova / À vontade, / Olhe: eu mesmo lh'a meço... / O coveiro não poderá fazer sempre tão baixas... O não poderá ir: / Diga ao moço, que tem a pratica das sachas, / Que m'a venha elle abrir. / E o sineiro que, em vez de dobrar a finados, / Que toque a Aleluia! / Não me diga orações, que eu não tenho peccados: / A minha alma um dia! / Será meu confessor o vento, e a luz do raio / A minha Extrema-Unção! / E as carvalhas (chorae o poeta, encommendae-o!) / De padres farão. / Mas as aguias, um dia, em bando como astros, / Virão devagarinho, E hão-de exhumar-me o corpo e leval-o- de rastros, / Em tiras, para o ninho! / E ha-de ser um deboche, um pagode, o demonio, / N'aquelle dia, ai! Aguias! sugae o sangue a vosso filho Antonio, / Sugae! sugae! sugae! Raro tão de comer. / A pobreza consome / As aguias, coitadinhas! / Ao menos, n'esse dia, eu matarei a fome / A essas desgraçadinhas... / De que serve, Sr. Abbade! o nosso pacto: / Não me lembrei, não vi / Que tinha feito com as aguias um contrato, / No dia em que nasci. Também o seu Elegia: Ó virgens que passais, ao sol poente, / Pelas estradas ermas, a cantar: / Eu quero ouvir uma canção ardente / Que me recorde as afeições do lar. / Cantai-me, n´essa voz omnipotente, / O sol que tomba, aureolando o mar, / A fartura da seara reluzente, / O vinho, a graça, a formosura, o luar! / Cantai, cantai as límpidas cantigas! / Das ruínas do meu lar desenterrai / Todas aquelas ilusões antigas / Que eu vi morrer n- um sonho como um ai... / Ó suaves e frescas raparigas, / Adormecei-me n´essa voz... Cantai! Por fim, o seu Soneto: Meus dias de rapaz, de adolescente, / Abrem a boca a bocejar, sombrios: / Deslizam vagarosos, como os Rios, / Sucedem-se uns aos outros, igualmente. / Nunca desperto de manhã, contente. / Pálido sempre com os lábios frios, / Ora, desfiando os meus rosários pios... / Fora melhor dormir, eternamente! / Mas não ter eu aspirações vivazes, / E não ter como têm os mais rapazes, / Olhos boiados em sol, lábio vermelho! / Quero viver, eu sinto-o, mas não posso: / E não sei, sendo assim enquanto moço, / O que serei, então, depois de velho. Veja mais aqui.

OS TEMAS DO TEATRO DA CRUELDADE – Na obra O teatro e o seu duplo (Martins Fontes, 1993), do poeta, ator, dramaturgo e diretor de teatro francês Antonin Artaud (1896-1948), o autor trata dos temas inerentes ao teatro da crueldade no seu primeiro manifesto: [...] Não se trata de arrastar o público com preocupações cósmicas transcendentes. Que haja chaves profundas do pensamento e da ação pelas quais se possa interpretar todo o espetáculo, não é coisa que diga geralmente respeito ao espectador que nem por tal se interessa. Todavia, tais preocupações têm de estar presentes; e, além disso, dizem-nos respeito. O ESPETÁCULO: Não haverá nenhum espetáculo que não contenha um elemento físico e objetivo, sensível a todos. Gritos, gemidos, aparições, surpresas, golpes de teatro de toda a casta, a beleza mágica do vestuário inspirada em certos modelos rituais. Resplendor da iluminação, beleza de sortilégio das vozes, sedução da harmonia, notas raras da música, cores dos objetos, ritmo físico dos movimentos cujo crescendo e decrescendo se conjugará com a pulsação dos movimentos familiares a todos, aparições concretas de objetos novos e surpreendentes, mascaras, manequins de vários metros de tamanho, alterações bruscas da luz, ação física da luz que suscita o calor e o frio, etc. A ENCENAÇÃO – É em torno da encenação, considerada não como um simples grau de refração dum texto sobre o palco, mas como o ponto de partida de toda a criação teatral, que se constituirá a linguagem típica do teatro. E é na utilização e na manipulação desta linguagem que se dissolverá a velha dualidade do autor e do encenador, substituídos por uma espécie de criador único a quem caberá a responsabilidade dupla do espetáculo e da ação. [...] Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

JARDIM DAS FOLHAS SAGRADAS - O drama O jardim das folhas sagradas (2011), dirigido pelo cineasta, comunicador e gestor público brasileiro Pola Ribeiro, com roteiro do diretor e Henrique Andrade, conta a história de um bancário negro e bissexual bem sucedido, casado com uma mulher branca e de crença evangélica. Ele vive na Salvador contemporânea e recebe a incumbência de montar um terreiro de candomblé no espaço urbano. Para isto, enfrentará a especulação imobiliária numa cidade de crescimento vertiginoso, preconceito racial e intolerância religiosa. Este homem, embora questione a tradição da própria religião, tem a missão de montar um ambiente sagrado e de respeito à natureza, superando as contradições e conflitos trazidos pela modernidade. Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA
Charge & capa do livro Os broncos também amam (L&PM, 2007), do chargista Angeli.


Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do programa Some Moments, a partir das 21hs, no blog do Projeto MCLAM, com a apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa & Verney Filho. E para conferir online acesse aqui.

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