segunda-feira, junho 15, 2015

BAUDRILLARD, HILST, MANABU, GRIEG, POUSSIN, BARDOT, ROUSSEL & ZULMIRA TAVARES.


VAMOS APRUMAR A CONVERSA? A vida passa em cada passo do caminho, vou passarinho professando a minha fé. Vou bem cedinho pela estrada que se espalma, o Nordeste em minha alma, nos catombos do trupe. Vou Severino percorrer légua tirana, com toda aventura humana no solado do meu pé. Sou cantador e carrego no canto minha vida no manto que reveste o valor, pra onde eu for eu me valha do encanto, pra chegar em qualquer canto com a verdade do amor. Vou com meu canto em cada canto lado a lado, vou com cuidado afinando o meu gogó. Sem ter espanto, todo só de luz armado, tino aceso e aprumado, evitando um quiprocó. Vou confiante, entre o céu e a terra, a ponte no destino do horizonte, vou bater até no sol. Sou cantador e carrego no canto, minha vida no manto que reveste o valor. Pra onde eu for, eu me valha do encanto, pra chegar em qualquer canto com a verdade do amor. Digo bem alto e minha crença toma abrigo, sem ter asilo na redoma do mundão. Sigo o sermão no rumo a rota do estradeiro, assuntando o paradeiro na melhor entonação. Passo nos peitos a ficar comendo orvalho, se cantar é o meu trabalho Deus me dê toda canção. Sou cantador e carrego no canto, minha vida no manto que reveste o valor. Pra onde eu for, eu me valha do encanto pra chegar em qualquer canto com a verdade do amor. (Cantador © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados). Veja mais aqui e aqui.

Imagem: Sleeping Venus and Cupid, do pintor francês Nicolas Poussin (1584-1665)

Curtindo o Concerto para Piano e Orquestra em Lá menor - op. 16 -, do compositor norueguês Edvard Grieg (1843-1907), com as pianistas Patricia Glatzl & Lígia Moreno, com a regência da Orquestra do maestro Flávio Augusto.

SIMULACRO E SIMULAÇÕES – A obra Simulacro e simulações (1961 – Relógio D´Água, 1991), do sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007), aborda sobre a precessão dos simulacros, o cenário retro da história, o holocausto, China Syndrom, Apocalipse Now, o efeito Beaubourg: implosão e dissuasão, hipermecardo e hipermercadoria, a implosão no sentido dos media, publicidade absoluta e zero, clone story, hologramas, crash, simulação e ficção científica, os animais e o território da metamorfose, o resto, o cadáver em espiral, o último tango do valor, niilismo, entre outros assuntos. Logo de primeira o autor traz uma epígrafe do Eclesiastes: O simulacro nunca é o que oculta a verdade – é a verdade que oculta que não existe. O simulacro é verdadeiro. A obra traz a definição de simulacro como a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade que não são apenas abstrações fictícias, porém representando com um real que coincide com os vestígios imaginários dessa mesma realidade e que são produzidos a partir de um sistema operacional que envolve uma diversidade de componentes como a memória, modelos e matrizes de comando que são reproduzidos em séries e por muitas vezes. Com isso, ressalta a estratégia do real, observando que a hiper-realidade e a simulação são totalmente dissuasivas de todo o princípio e de todo fim, razão pela qual o nuclear torna-se o auge da simulação, considerando, porém, que há o terror da vertente espetacular de todo um sistema de fragmentação projetado no interior dos paradigmas da realidade, onde tudo é hiperfuncional, por que a circulação e o acidente, a técnica e a morte, o sexo e a simulação são como uma só grande máquina sincrônica. O autor, então, nos convoca a entender a realidade que há por trás do espelho, na qual a sua pluralidade pode ser questionada a partir das perspectivas do simulacro e simulações. Veja mais aqui e aqui.

UM ESTADO MUITO INTERESSANTE (Foto: Bel Pedrosa) – Entre os selecionados da antologia 26 Poetas hoje (Aeroplano, 2007), organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, está a premiada escritora e pesquisadora pós-graduada em cinema, Zulmira Ribeiro Tavares. Entre os seus poemas destaco o Um estado muito interessante: Conheço o meu país / no escuro – pelo tato. / E se me amarram as mãos nas costas / conheço pelo cheiro. / E se me tapam o nariz / ainda assim conheço o meu país / pelo que dele sobra / à minha volta. / Não conheço o meu país pela boca. / Não conheço o meu país pelos ouvidos. / Não conheço o meu país pelos olhos. / O que a boca solta o ouvido não encontra, / o papel não grava, o olho não recorta. / Conheço o meu país / mas não o conheço de dentro. / Também não o conheço de fora. / Conheço-o de lado. / Quer dizer que o conheço / sem relevo. / Muito curioso esse país rasante / como um voo rasteiro. / Meu país bicho-de-concha / para dentro de sua casca / sem contorno. / Muito curioso esse país no escuro / sem local exato de pouso / para os dedos. / Muito curioso esse país de cheiros / sem apoio. / Muito curioso / e muito interessante. / O termo é este. / Um país interessante / é como uma mulher em estado interessante? / Uma mulher em estado interessante / sempre acaba / em trabalho de parto? / inevitavelmente? não há outra saída / além daquela prevista na barriga? / Um país muito barrigudo / é uma mulher inchada – / de basófia ou filhos? / A comparação não cabe, entre pessoas / estados, de corpo, alma / e federativos? / Ou cabe até demais? / É isto mesmo: / Tudo cabe em um país. / Ou não? / Como tirar a dúvida? / Por exclusão / do que primeiro? / estados? almas? / pessoas? / o que fica? sobra? federação? filhos? / O que faço / se não controlo as respostas / pela boca; assobio? / Deixo passar em brancas nuvens / o que o olho não / Por que não me conformo / pelo meu país a gastar menos / a só usar uma narina e um dedo? / Por que o anseio / de vir a conhecer a raiz dos cheiros / relevos posição dos corpos mares rios / rotas ares esquadrias? / Tão sentimental vou indo / olhos de leitura sem legenda / e boca sem sentenças / indo estou voltando / ao ponto de partida / No escuro meu país é simples. / Dois sentidos bastam. / E sobram. / Sem nenhum sentido / meu país teria / a mais perfeita ordem. Veja mais aqui.

O RATO NO MURO – A peça teatral Rato no Muro (1967 – Nankin, 2000), da poeta, ficcionista e dramaturga Hilda Hilst (1930-2004), traz a representação do rato como único ser que pode enxerfar além dos limites e que mesmo vivendo em lugares imundos conseguir ir, observar e voltar entre os muros onde se encontram vivendo freiras, estas inquirindo sempre o que há além dos muros de sua clausura. Da obra destaco o trecho: (Entram a Irmã Superiora e a Irmã D, carregando um pequeno caixão como de uma criança. Branco) TODAS JUNTAS - Oh! SUPERIORA - Ela se matou. Não tinha mais para quem dar o seu pão e o seu leite. IRMÃ H - Mas ela está aí? Neste caixãozinho? SUPERIORA - Ela era uma mulher-criança. E as mulheres-crianças ficam deste tamanho quando morrem. IRMÃ A - E ainda existe alguém que se mata por causa de um gato? Que se mata? SUPERIORA - É evidente, se ela está morta. IRMÃ C - E não seria por outra coisa? Talvez pelas próprias culpas? IRMÃ H - (em aflição) Não fale assim, não fale assim, meu Deus, nós temos que chegar até o muro. (vai até a janela) Olhem, olhem aquela ferida enorme nas montanhas de pedra... Tudo isso não deve ser em vão. Ninguém arranca as vísceras de uma montanha por nada. IRMÃ I - Mas se arrancam as vísceras do rato, porque não arrancariam as da pedra? SUPERIORA - (para a Irmã D) Eu não disse que elas ficam patéticas diante da morte? IRMÃ H - (com firmeza) Nós queremos chegar até o muro. SUPERIORA - Vocês sabem que é impossível. IRMÃ D - É inútil, é inútil. TODAS - (menos a Irmã G e Irmã D) Por quê? SUPERIORA - Porque sempre foi assim. IRMÃ D - Sempre. IRMÃ B - Não é verdade o que elas dizem. Nós podíamos quase encostar no muro, na hora da meditação e da leitura. Não é verdade? SUPERIORA - É verdade somente nessa hora. Mas assim mesmo vocês nunca chegaram muito perto. Por quê? IRMÃ B - Não sei... IRMÃ H - Vocês sabem? IRMÃ A - Eu não. IRMÃ C - Eu também não sei. IRMÃ F - Nem eu. IRMÃ D - (ri altíssimo) Elas nem sabem o que querem. Chegaram tão perto... SUPERIORA - É porque o muro parece tão irreal agora que vocês o desejam. IRMÃ H - A senhora quer nos confundir. IRMÃ G - Nós nos confundimos sempre. IRMÃ C - (referindo-se à Superiora) Só quando ela está por perto. Temos medo. - Vocês têm medo de mim? IRMÃ F - Mas aos poucos perderemos. SUPERIORA - Vocês têm medo é disto. (aponta o caixão) IRMÃ I - Imagine, eu posso até tocá-lo. IRMÃ A - Eu também. E vocês? IRMÃS B, C E F Nós não temos medo. (tocam o caixão) Pronto. IRMÃ H - Nem temos medo... Deles. SUPERIORA - Deles, quem? IRMÃ H - A senhora sabe muito bem. Os seres. SUPERIORA - Os estrangeiros? IRMÃ I - Os que vieram na noite. SUPERIORA - Cada uma de vocês pensará sempre nessa possibilidade. IRMÃ H - Que possibilidade? SUPERIORA - De chegar até o muro. IRMÃ A - De subí-lo. IRMÃ B - Transpô-lo. IRMÃ C - Ver mais adiante. IRMÃ D - É inútil. É inútil. IRMÃ F - (vibra as mãos como se fossem asas, cada vez mais alto) Como um pássaro... como um pássaro! IRMÃ H - É preciso que nós façamos tudo na noite. A noite é sempre melhor para essas empresas. IRMÃ I - (olhando pela janela) Lua... Baça. IRMÃ H - (em aflição) O quê? IRMÃ I - Lua... Baça. IRMÃ H - (indo rapidamente até a janela) Apenas uma névoa. Vamos. SUPERIORA - E se eu disser a vocês que isso é impossível. IRMÃ B - Nós temos força. Somos em maior número. IRMÃ A - Todos esses ritos, todos os dias... sempre na sombra. IRMÃ C - E eu estou cansada de sangrar. IRMÃ F - Como um pássaro... como um pássaro! IRMÃ G - Eu não me canso de comer. È uma coisa do ventre. É doença. SUPERIORA - É culpa. (Todas voltam para a Superiora) IRMÃS A, B, C e F(tom cantante, crescente. Tensão) Ai... Sim... Aaaííí... A... Í. IRMÃ H - Parem! Parem! Vocês não vêem que ela está tentando nos deixar sem resposta? Que quando ela fala na culpa nós pensamos no tempo? E que diante dela nós nos comportamos como um brinquedo de corda? Que estamos fartas de ficar diante da morte e da renúncia? IRMÃ G - Olha o rato. SUPERIORA - (para a Irmã H. Severa) O rato é você. Que deseja subir e ver. (tom crescente, procurando tensão) IRMÃ D - No entanto, no entanto. SUPERIORA - Ainda que tu subisses... IRMÃ D - Aquela pedra lisa... SUPERIORA - E assistisses... IRMÃ D - Ao mais fundo, ao mais alegre. SUPERIORA - O mais triste... IRMÃ D - Ainda que tocasses... SUPERIORA - Áquela pedra rara... IRMÃ D - E deixasses o vestígio... SUPERIORA - De uma mancha... IRMÃ D - Escura ou clara... SUPERIORA E IRMÃ D - Ainda... Ainda. SUPERIORA - Não seria o suficiente... IRMÃ D - Para o teu desejo de ser mais. SUPERIORA - E mais, e mais... (apontando a Irmã G) como a tua vontade enorme de comer! IRMÃ G - (tom cantante) Oh, Senhor de todas as nossas culpas, entristecei-vos. SUPERIORA - Hein? Como disseram? IRMÃ H - Não respondam, por favor, na respondam! TODAS - (menos a Irmã H) (tom agudo) Alegrai-vos para que nós não nos esqueçamos de todas as nossas culpas. IRMÃ H - Parem pelo amor de Deus, parem! SUPERIORA - São muitas? TODAS - (menos a Irmã H) (tom cantante) Muitíssimas. SUPERIORA - Quantas? IRMÃ H - Não, não continuem! (repetindo “PAREM”, até a exaustão) TODAS - (diversos tons) Tan... Tas, tan... Tas, tan... Tas, tan... Tas. (Irmã H aproxima-se da Irmã I, agarrando-a sempre repetindo “PAREM”. Rola pelo chão) FIM. Veja mais aqui, aqui e aqui.

ET DIEU... CRÉA LA FEMME – O filme Et Dieu... cré la femme (E Deus criou a mulher, 1956), dirigo pelo cineasta, produtor e roteirista cinematográfico francês Roger Vadin (1928-2000), com roteiro do diretor e Raoul Lévy, e música de Paul Misraki, conta as experiências de uma órfã de dezoito anos com desejos sexuais à flor da pele e mania de andar descala, fato que chama muita atenção e acende os desejos masculinos ao seu redor. Ela passa a ser cobiçada por ricaços, incluindo o ancião que pretende usá-la como atração num novo cassino a ser construído, mas que é obstruído pelos proprietários que se negam a vender o terreno desejado. Eis que o filho mais velho da família, retorna ao lar para avaliação da situação familiar, logo se ver seduzido pela jovem que já se depara com a ameaça dos seus guardiões de enclausura-la num orfanato. Eis que ela se casa com o irmão mais novo e os problemas começam a surgir causando escândalos que ultrapassam os limites cênicos e envolvem as plateias de diversos países. Por conta da sedutora presença da jovem o filme foi banidos em diversos países católicos – incluindo além da Europa, os Estados Unidos onde a Liga da Decência Católica condenou com veemência – e exigiam censura moral, tudo por conta das cenas de nudez da atriz e ativista francesa Brigitte Bardot, como do biquíni usado e altamente contestado pela sociedade conservadora e pelas cenas de dança descalça. Eis, então, que o diretor resolve fazer uma refilmagem em 1988, substituindo a voluptuosa BB – ícone de popularidade da Bardotmania e símbolo sexual dos anos 50 e 60 - pela atriz Rebecca De Mornay. Entre outros tantos escândalos pela belíssima BB, um fato bastante polêmico foi o de ter sido premiada com a Legião de Honra Francesa e, sem cerimônia, recusou o prêmio. Veja mais aqui, aqui e aqui.

IMAGEM DO DIA
Composição Humana, série erótica do pintor, desenhista e tapeceiro japonês, pioneiro do abstracionismo no Brasil, Manabu Mabe (1924-1997).

IMAGEM DO DIA
Imagem: The Reading girl (1886) do pintor e artista gráfico inglês Theodore Roussel (1847-1926)


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