quinta-feira, abril 16, 2009

RUBEM FONSECA, FRANCIS CRICK, GEORGE GROSZ, ZEDINALDO, MULHER CARIRI & SALETE MARIA

 
A arte do pintor e ilustrador alemão George Grosz (1893-1959).

E AÍ, ZEDINALDO? - Quando Zedinaldo pensou em meter cara, ele pensou trocentas vezes antes e foi. A primeira, não deu; a segunda, pior; a terceira, arreou. Desistiu de tudo, maldisse a vida, espremeu-se, lascou-se, morreu duzentas vezes, noites sem dormir. Veio o tempo, ele de novo: vou, não vou. E foi, outra vez. Lá foi uma, duas, três, arretou-se, jogou pro ar, mas não se contentou. Lá vai, mais uma vez, outra e outra, a mesma coisa. Batia e não furava. Na trave. Passou raspando, fino da gota! O alvo parecia mais que se movia. E era mesmo: cada vez, diferente. E ele do mesmo jeito. Assim não dá. Persistente, lá estava ele, como se fosse a primeira vez. Não era, mas fez como se fosse. Dedicou-se, abusou do esmero. Focado todo. Metia as catanas e nada. Havia alguma coisa errada, pensava ele. Como podia, ora, insistiu, persistiu, perseverou, danou-se todo, fez de tudo, não abriu mão, na cola, sem arrefecer, até pipocar tudo. Não deu. Saiu virado na breca! Quem sorrisse, ele ignorava; quem saudasse, ele indiferente. Estava fulo. Que droga de vida seria essa de querer acertar e nada dava certo. Fincou pé, voltou na maior moral, refez, pagou, bufou, esperneou, chamou na grande e... nada. Quando não é pra ser, não tem jeito. Não foi dessa nem nunca, saiu e resolveu manter-se na sua, deixando tudo passar até o melhor tempo. Ainda ontem ele bateu as botas, era uma vez. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.


DITOS & DESDITOSTodos são feitos da mesma farinha, mas nem todo mundo é assado no mesmo forno. Provérbio Iídiche

O QUE A GENTE É MESMO? - [...] Você, suas alegrias e tristezas, suas memórias e ambições, sua noção de identidade pessoal e livre-arbitrio, não passam, na verdade, da resultante comportamental de um grande conjunto de células nervosas e das moleculas a elas associadas. Como Alice de Lewis Carroal teria dito: “Você não passa de um saco de neurônios“ [...]. Trecho extraído da obra A hipótese surpreendente (Scribner, 1994), do biológo, biofísico e neurocientista britânico Francis Crick (1916-2004).

FELIZ ANO NOVO – [...] Zequinha pegou o Magnum. Joia, joia, ele disse. Depois segurou a doze, colocou a culatra no obro e disse: ainda dou um tiro com esta belezinha nos peitos de um tira, bem de perto, sabe como é, pra jogar o puto de costas na parede e deixar ele pregado lá [...] O quarto da gordinha tinha as paredes forradas de couro. A banheira era um buraco quadrado grande de mármore branco, enfiado no chão. A parede toda de espelhos. Tudo perfumado. Voltei para o quarto, empurrei a gordinha para o chão, arrumei a colcha de cetim da cama com cuidado, ela ficou lisinha, brilhando. Tirei as calças e caguei em cima da colcha. Foi um alívio, muito legal. Depois limpei o cu na colcha, botei as calças e desci [...] Pereba sempre foi supersticioso. Eu não. Tenho ginásio, sei ler, escrever e fazer raiz quadrada. Chuto a macumba que quiser. Acendemos uns baseados e ficamos vendo a novela. Merda. Mudamos de canal, prum bangue-bangue. Outra bosta [...] Apanhei a carabina doze e carreguei os dois canos. Seu Maurício, quer fazer o favor de chegar perto da parede? Ele se encontrou na parede. Encostado não, não, uns dois metros de distância. Mais um pouquinho pra cá. Aí. Muito obrigado. Atirei bem no meio do peito dele, esvaziando os dois canos, aquele tremendo trovão. O impacto jogou o cara com força na parede. Ele foi escorregando lentamente e ficou sentado no chão. No peito dele tinha um buraco que dava para colocar um panetone. Viu que não grudou o cara na parede, porra nenhuma. Tem que ser na madeira, numa porta. Parede não dá, Zequinha disse [...] Fiquei olhando para ele. Usava um lenço de seda colorido em volta do pescoço. Podem também comer e beber à vontade, ele disse. Filho da puta. As bebidas, as comidas, as joias, o dinheiro, tudo aquilo para eles era migalha Tinham muito mais no banco. Para eles, nós não passávamos de três moscas no açucareiro [...]. Trechos extraído da obra Feliz ano novo (Artenova, 1975), do escritor Rubem Fonseca. Veja mais aqui.

MULHER CARIRI – CARIRI MULHER


A luta por igualdade
Não se dá como se quer
No seio do Cariri
Ela enfrenta a maré
Não há praia por aqui
Mas há serra de pequi
Eis um Cariri Mulher

Combatendo a violência
Não deixando ela surgir
Demonstrando consciência
Sem mais precisar mentir
Dominando a ciência
Ou cultivando uma crença
Eis a Mulher Cariri

Querendo a delegacia
Acreditando com fé
Soltando o grito na praça
Marchando sempre de pé
Rindo sem pedir licença
Pois sua luta compensa
Eis um Cariri Mulher

No trabalho ou no estudo
Passeando por aí
No centro ou no subúrbio
Temos que admitir:
Mais corajosa não há
Sempre pronta pra lutar
Eis a Mulher Cariri
Com suas cidades jovens
(Basta vir ver como é)
Cada qual mais promissora
(Em Crato e praça da Sé)
Balneários barbalhenses
Cascatas missão-velhenses
Eis um Cariri Mulher

Politizada e de luta
Como ninguém por aqui
Aguerrida na disputa
Matreira como saci
Sônia Maria não só
Dona Alice e seu forró
Eis a Mulher Cariri

Artesã e lavadeira
Professora também é
Cozinheira ou doutora
Para o que der e vier
Teimando sempre com garra
Seja na boa ou na marra
Eis um Cariri Mulher

Íris, sinônimo de arte
Não há como confundir
Cláudia Rejane e Nininha
A esquerda faz sentir
Maria José de Sales
Poesia contra males
Eis a Mulher Cariri

Passarelas, faculdades
Num barracão ou chalé
A presença feminina
Ascende tal chaminé
Não há coisa que não saiba
Nem lugar onde não caiba
Eis um Cariri Mulher

Em toda parte ela está
E nada a fará trair
A semente que plantou
É sua vez de gerir
Prefeitura ou parlamento
Ela já dá bom exemplo
Eis a Mulher Cariri

Mulher comandando a URCA
Pesquisando em Assaré
Advogando o direito
De viver como se quer
Na feira ou num tribunal
Seu nome tá no jornal
Eis um Cariri Mulher

Você que lê este verso
Chegou a vez de unir
A força que a gente tem
Não é só para parir
Vamos chegar lá um dia
Salve a beata Maria
Eis a Mulher Cariri.
SALETE MARIA - Salete Maria é advogada, professora universitária, ativista pelos Direitos Humanos, realiza estudos sobre Gênero e Direito e tem inúmeros cordéis publicados, sendo a maioria sobre direitos das mulheres, homossexuais e temas ligados às questões marginais e periféricas. É membro da Sociedade dos Cordelistas Mauditos e tem cordeis premiados pela Fundaçao Cultural do Estado da Bahia. Usa a literatura de cordel para dialogar sobre gênero e cidadania. Ela edita o excelente blog CORDELIRANDO.

A arte do pintor e ilustrador alemão George Grosz (1893-1959).




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