quarta-feira, agosto 22, 2007

JOSUÉ DE CASTRO, RUBEM ALVES, BARAKA, CLIO, KAMINSKI, NEUROCIÊNCIA, POESIA DE CADA DIA & FÚRIA DOS INOCENTES


Imagem: Massacre dos Inocentes, do pintor do Barroco flamengo Peter Paul Rubens (1599-1640). Veja mais aqui, aqui e aqui.

A POESIA NOSSA DE CADA DIA - Falar de poesia num tempo tão sem poesia é, deveras, quase falar balela. No entanto, apesar de tanta insensibilidade, tanta mediocridade, tanta barbárie, insiste-se no sentimento do ser humano na forma como realmente ele deve ser: humano.Entenda-se que a insensibilidade, a mediocridade e a barbárie sempre se fizeram presentes no inventário humano, o que nos deixa, por conclusão, que não é nenhuma novidade resistir. Se sempre fora adversa a realidade com relação ao sentimento humano, não será agora, que tudo se redima de uma vez. A gente vai continuar resistindo mesmo que a indiferença seja plena e que os ouvidos e toda percepção humana se torne uma parede gélida de inumanidade. Pois bem, antes de mais nada, gostaria de fazer menção ao fato de que diversos estudantes tem recorrido a este Guia, solicitando a diferença entre poema e poesia. Então, aproveito tal interesse para trocar umas idéias a respeito. Inicialmente, na tentativa de esclarecer o que é o poema, faço uso da definição dada pelo eminente escritor Assis Brasil: “Poema é o ´objeto` poético, o texto onde a poesia se realiza, é uma forma, como o soneto que tem dois quartetos e dois tercetos, ou quatorze versos juntos, como é conhecido o soneto inglês. Um poema seria distinto de um texto ou estrofes. Quando essa nomenclatura definitiva é eliminada, passando um texto a ser apresentado em forma de linhas corridas, como usualmente se conhece a prosa, então se pode falar em poema-em-prosa, desde que tal texto (numa identificação sumária e mecânica) apresente um mundo mais ´poético` ou seja, mais expressivo, menos referente à realidade. A distinção se torna por vezes complexa. (…) a poesia pode estar presente quer no poema que é feito com um certo número de versos, quer num texto em prosa, este adquirindo a qualidade poema-em-prosa”. Já poesia, Assis Brasil define como: “(…) uma manifestação cultural, criativa, expressiva do homem. Não se trata de um ´estado emotivo`, do deslumbre de um pôr-do-sol ou de uma dor-de-cotovelo; é muito mais do que isso, é uma forma de conhecimento intuitivo, nunca podendo ser confundido o termo poesia com outro correlato: o poema”. Daí fica claro que um é o objeto e, o outro, a manifestação. E para não ficar tão simplista, possibilitando maior amplitude, considere-se outras observações, a meu ver, pertinentes. Aristóteles, por exemplo, em sua Poética, tratou sobre o assunto: “(…) não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade. (…) a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e essa o particular. (…) Daqui claramente se segue que o poeta deve ser mais fabulador que versificador; porque ele é poeta pela imitação e porque imita ações”. Sobre esta visão aristotélica, Ariano Suassuna considerou que a poesia, no sentido grego, significa criação: “(…) como espírito criador que se encontra na raiz de todas as artes. (…) A poesia seria o espírito criador que se encontra por trás de todas as artes literárias, sejam estas realizadas através da prosa ou do verso”. Assim, poesia é “o ritmo e a imagem, principalmente a metáfora”. Ampliando mais a discussão, no que concerne ao que pensam determinados poetas do que seja, na verdade, a poesia. Vejamos pois, o que pensa, por exemplo, Maiakovsky: “A poesia começa onde existe uma tendência. (…) A poesia é uma indústria: das mais difíceis e das mais complicadas, mas, apesar disso, uma indústria. Aprender o ofício de poeta não é aprender o modo de preparar um tipo definido e limitado de obras poéticas, mas sim, o estudo dos meios de todo o trabalho poético, o estudo das práticas dessa indústria que ajudam a criar outros. (…) O trabalho do poeta deve ser quotidiano, a fim de melhorar a técnica, e acumular reservas poéticas”. Eliot, por outro lado, defende que: “(…) A poesia pode ter um significado social deliberado e consciente. (…) Podemos observar que a poesia difere de qualquer outra arte por ter para o povo da mesma raça e língua do poeta um valor que não tem para os outros. (…) nenhuma arte é mais obstinadamente nacional do que a poesia (…) a poesia que é o veículo do sentimento”. E arremata: “A poesia é uma constante lembrança de todas as coisas que só podem ser ditas em uma língua, e que são intraduzíveis”. E como tarefa de poeta, Eliot defende que primordialmente e sempre se leve a efeito uma revolução na linguagem, articulada com musicalidade de imagens e de sons. Pound, entretanto, acrescenta: “Cada homem é o seu próprio poeta”, defendendo que ninguém será um poeta escrevendo hoje com um jeito de anos atrás e que a linguagem deve ser usada com eficiência. Uma série de outras questões podem e devem ser abordadas, ficando, portanto, para a próxima oportunidade, uma maior observação a respeito do tema poesia. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui e aqui.

BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Abril Cultural, 1979
BRASIL, Assis. Vocabulário técnico de literatura. São Paulo: Tecnoprint, 1979
ELIOT, T. S. A essência da poesia: estudos e ensaios. Rio de Janeiro: Artenova, 1972
MAIAKÓVSKI, Vladimir. Poética. São Paulo: Global, 1984
POUND, Ezra. A arte da poesia. São Paulo: Cultrix, 1976
SUASSUNA, Ariano. Iniciação à estética. Recife: UFPE, 1975


PENSAMENTO DO DIA - [...] o nosso maior erro é o de não ter conseguido, ou jamais ter efetivamente tentado, fazer o jovem encarar nossa diversidade cultural como efetiva aliada da transformação individual e coletiva, e despertar nele a percepção da importância do conhecimento, criando um verdadeiro objeto de desejo e não somente uma obrigação. [...]. Trecho extraído de Transformar, nos jovens, o conhecimento e o saber em objetivos de desejo: um desafio educacional (Unesco, 2004), do presidente da Associação de Empreendedores Amigos da Unesco, Oskar Metsavaht.

CIÊNCIA E SENSO COMUM – [...] o senso comum e a ciência são expressões da mesma necessidade básica, a necessidade de compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver. Para aqueles que teriam a tendência de achar que o senso comum é inferior à ciência, eu só gostaria de lembrar que, por dezenas de milhares de anos, os homens sobreviveram sem coisa alguma que se assemelhasse à nossa ciência. Depois de cerca de quatro séculos, desde que surgiu com seus fundadores, curiosamente a ciência está apresentando sérias ameaças à nossa sobrevivência. [...]. Trecho extraído da obra Filosofia da ciência: introdução ao jogo e as suas regras (Loyola, 2000), do psicanalista, educador, teólogo e escritor Rubem Alves (1933-2014). Veja mais aqui.

ELAS NÃO SABEM O QUE DIZEM – A obra Elas não sabem o que dizem: Virginia Woolf, as mulheres e a psicanálise, da psicanalista francesa de origem neerlandesa, Maud Mannoni (1923-1998), aborda temas como o nascimento de uma escritora, o peso do passado no presente, uma linguagem sem palavras, entre fome e desejo, o desaparecimento da mãe, a mulher existe?, a revolta, trauma de abandono, agressividade, castração, mecanismos de defesa, educação, fala, fantasia, horror, jogo, lembrança, corpo da mãe, mito, nascimento, ódio, amor, paternidade, distinção entre imaginário e simbólico, o real, sexo, teatro, verdade, vergonha, violência, entre outros importantes assuntos. REFERÊNCIA: MANNONI, Maud. Elas não sabem o que dizem: Virginia Woolf, as mulheres e a psicanálise; Rio de Janeiro: Zahar, 1999. Veja mais aqui.

NEUROCIÊNCIAS – O livro Neurociências ilustrada, de Claudia Krebs, Joanne Weinberg e Elizabeth Akesson, aborda temas como o sistema nervoso e a neurofisiologia básica, a visão geral do sistema nervoso central e periférico e visceral, a medula espinal, a organização do tronco encefálico, os tratos sensoriais ascendentes, os tratos motores descendentes, o controle dos movimentos oculares, inervações sensorial e motora da cabeça e do pescoço, audição e equilíbrio, sistemas e analises do tronco encefálico, córtex cerebral, tálamo, visão, gânglios de base, cerebelo, integração do controle motor, visão geral do hipotálamo, sistema límbico, olfato e paladar, dor, zonas arteriais terminais, vísceras, processamento cortical, tensão, testes, TDAH, síndromes, neurotransmissores, nervos, lesões, entre outros importantes temas. REFERÊNCIA: KREBS, Claudia; WIENBERG, Joanne; AKESSON, Elizabeth. Neurociências ilustrada. Porto Alegre: Artmed, 2013. Veja mais aqui e aqui.


CLIO – É a musa da história, cujo nome é formado de uma palavra grega que quer dizer glória, fama. É representada sob aspecto de uma jovbem coroada de louros, tendo na mão direita uma trombeta e na esqueda um livro intitulado Tucídide. Aos seus atributos acrescentam-lhe ainda o globo terrestre sobre o qual ela descansa e o Tempo que se vê ao seu lado para mostrar que a História alcança todos os lugares e todas as épocas. Às vezes suas estátuas têm nas mãos uma guitarra, pois era considerada sua inventora.

JOÃO PAULO -  João Paulo era o filho mais novo do caboclo Zé Luís. E o mais trabalhador. Eram três irmãos homens e uma mulher – como dizia d. Joaquina, mãe deles. O mais velho vendia amendoim e ango de mulho no Largo da Paz para ajudar as despesas de casa. Os outros três ficavam pegando caranguejo, e era João Paulo quem mais pegava. Havia dias que o menino trazia tanto caranguejo que a família dividia com os vizinhos, ou trocava uma roda deles por um pouco de açúcar com o pessoal do Evaristo que, trabalhando numa refinaria, vivia numa abundância especializada: abundância só de açúcar. Faltando tudo o mais, faltando mesmo caranguejo, porque a família era só marido, mulher e filha, sem menino para o serviço da pescaria. João Paulo, ainda ajudava a velha Joaquina nos afazeres de casa, aproveitando quando a maré subia e vinha até à porta do mocambo onde moravam, para empurrar as porcarias do chão para dentro da maré, para a maré levar. Menino bom e de juízo. No começo do ano passado, com nove anos apenas, o diabinho arranjou um emprego para ganhar dinheiro, servindo assim de adjurtório para família. Foi que o padre Aristides passeando por Afogados numa tarde de calor, viu a habilidade do menino para pegar caranguejo e contratou-o, logo, ali mesmo na beira do mangue, para ajudá-lo a pegar guaiamum. [...] O padre guloso não se contenta em encomendar guaiamum a tudo quanto é moleque de rua, e por isso sai ele mesmo duas vezes por semana para pegar os bichos nos buracos e trazê-los com muito carinho para cevá-los em casa e regalar-se em seus banquetes individuais. [...] Foi para estas empresas que o padre contratou João Paulo [...] O padre Aristides sabe que quando guaiamum sente tempestade, endoidece e sai tonto pelo campo afora. Aproveitando essa fraqueza, para agarrar os bichinhos, ele fabrica tempestade, imitando trovão, chuva e ventania. De fato, quando a água bate no fundo do buraco, o guaiamum atoleimado, vem cego, direitinho para o busaco do seu vigário. Estava João Paulo neste trabalho já fazia meses, muito contente com a bondade do vigário e o seu vigário com o trabalho dele, quando, no dia 24 de novembro, ele fez uma bobagem enorme. Talvez seja porque estivesse enfastiado daquela monotonia de pegar caranguejo e guaiamum. De viver na lama como caranguejo. Talvez mesmo ele tivesse vivdo num contato tão intimo com esses bichos, que a sua alma molinha de criança, ainda em formação, tivesse tomado o feitio da alma dos caranguejos. O fato é que João Paulo ouviu a tempestade e também endoideceu. Ficou na rua tonto como guaiamum quando ouve trovão. Infelizmente, a tempestade , desta vez, não era imitação teatral feita inocentemente pelo padre Aristides para pegar guaiamum. Era coisa muito séria. Eram homens armados de fuzis que tinham resolvido fazer uma revolução. E começou a trovoada de tiros, o pipoco desadorado das metralhadoras, o ruído sibilante das balas. João Paulo tinha uma recordação um tanto vaga daquele mesmo barulho, ouvido já de outras vezes nesta mesma cidade do Recife; mas, doutras vezes ele era pequeno demais, estava dentro do mocambo agarrado na saia da velha Joaquina, ouvindo a zoada de longe. Desta vez, porém, ele estava no meio da rua, em caminho pra casa do seu vigário. No pé da ponte de Afogados encontrou o grupo de homens fazendo tempestade, com trovões, muito mais retumbantes do que os do padre Aristides. Embebedado com o desadoro, empolgado pela tempestade, João Paulo resolveu ficar brincando ali mesmo no meio daqueles homens. Ele que nunca tinha brincado na vida, resolveu brincar naquele dia. Logo naquele dia, e brincar com quê! Com a tempestade Dops homens. Ficou ali ajudando inconscientemente a botar a munição nas metralhadoras para fazer tempestade. Quando tudo passou, João Paulo foi encontrado morto, varado de bala. A brincadeira custou-lhe a vida. Vida sem valor, é verdade. Anônima, áspera, pesada vida de menino de rua, morador de mocambo, pegador de guaiamum. Mas, afinal, vida, liberdade de respirar, de mover=se livremente, de sentir dentro do peito o coraçãozinho batendo. Castigo bem duro esse seu, João Paulo: morrer no primeiro dia em que você quis brincar em luhar de ir para o trabalho. Para que brincar, quando a vida é tão curta e tão difícil, e, logo você, João Paulo, que não tinha nascido com a vocação para brincar. Extraído da obra Documentário Nordeste (Brasiliense, 1957), do médico, professor catedrático, pensador, ativista político e embaixador do Brasil na ONU, Josué de Castro (1908-1973). Veja mais aqui.

TRANS-LUCIDEZ - Apenas pingos poucos / cintilam choram curvos / ao cosmos costurados / clamam no véu do espaço / no escuro céu crispados... / Apenas poeiras esparsas / e cores-vozes voláteis / cheirando a orvalho e chuva / circulam velozes-versáteis / dançantes no ar azul-uva... / Apenas farelos frágeis / de ferro, fogo ou brasa / afagam a boca rubra / da esbelta taça dourada / postada no centro da casa... / Apenas pedaços soltos / de desejos faiscantes / sonhos, asas e vapores / flutuam nos instantes / da tarde quase triste / fragmentos de amores... Poema da premiada artista plástica e poeta gaúcha Ana Luisa Kaminski. Veja mais aqui, aqui e aqui.

BARAKA – O documentário experimental Baraka, um mundo através das palavras (1992), dirigido por Ron Fricke, possui linearidde narrativa sem palavras, abordando a origem da vida e a relação do ser humano com o ambiente, consigo mesmo e com Deus. Inclui filmagens de várias paisagens, igrejas, ruínas, cerimônias religiosas e cidades, misturando com vida, a busca para que cada quadro consiga capturar a grande pulsação da humanidade nas atividades diárias.


A FÚRIA DOS INOCENTES – Reúne dez noveletas sobre temas diversos recheadas de humor e situações vexatórias.




















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CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Imagem: Nude, do pintor espanhol Luis Ricardo Falero (1851 - 1896), o Duque de Labranzano,
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