MARIA FULÔ, OROPA, FRANÇA & BAÍA – Toda vez
que Maria aparecia com toda pujança buliçosa arrepiando as peles, coisas e ventos
na primeira esquina ao descer a ladeira, o coração de Manuel saudava os seus
requebros aos pipocos, acompanhando a música dos seus pés, a festa do seu riso,
ah coisa bonita medonha, chega dá gosto vê-la toda faceira no rebolado de mexer
no juízo e endoidar de vez. Pronde tu vai, Maria? Vou encher o mundo de pernas,
seu Manuel! Eita, danada, coisa mais melhor de bom! Ela forrava cama, penteava
cabelos, quando não ajeitava enxame, abanava nas quenturas e causava calafrio.
Muitos misteres outros ela era capaz, desde alinhar os planetas, cortar unha do
pé e da mão, fazia cafuné de deixar o sujeito molinho, tal mucama Nega Fulô, a
flor mais apreciada daquela redondeza, toda cheirosa e cheia de feitiços, oh
nega tinhosa essa, toda enfeitada e mimosa. Quando se ajeitava, era toda
perdição. Pior se tirava o xale e a saia, era uma danação. E lá ia ela e Manuel
atrás: Oh, Maria! Vem cá, moléstia dos cachorros! Lá ia ela com o solo da
sanfona manhosa nos olhos, um sapecado triângulo na fala cantada a animar os
mais mortificados, uma zabumba cadenciada na firmeza da pisada dançante, e
Manuel todo arreado aos encantos dela: Vem cá, Maria, que eu quero me achegar.
Vou não, seu Manuel, que tu só quer me pegar. Para onde ela ia, Manuel babava
atrás: Chega, Maria, deixa da tua ruindade, mulher! Vou não, seu Manuel, sou
moça pra casar. E Maria ia com um e com outro, de Manuel endoidar: Dou-te o que
quiseres, Maria, vem comigo ficar. Ah só vou se tu me der as naus dos sonhos de
Oropa, França e Baía. E onde diabos vou isso buscar, mulher? Se isso me der,
contigo hei de casar! E Manuel mais afundava, escravo de grande paixão. No
quengo dele ecoava a voz maviosa dela: Eu só quero as naus dos sonhos de Oropa,
França e Baía. Tudo fez para que ela entregasse a ele o seu coração. Maria
tripudiava: quero isso e aquilo, e Manuel mais pirava: era chita e brebotes,
presente daqui e dali, sandálias e vestes aos montes, paparicado de beija-pés
até deixá-la montar na cacunda, ele cão sem dono, ela rainha do céu e da terra.
E ele só queria com ela a maior chambregação. Mas ela de dengosa, chantageava o
cristão: O que é que tu me dá? Tudo que quiseres, princesa! Ainda não me desses
a primeira que te pedi! E com isso ela se fazia de difícil, fechava as pernas e
o sexo, dele sair enlouquecido, pra superar tanta resistência, o que faço, meu
Deus, quanto tormento. Ele então fez promessa de levá-la pra Portugal se com
ele se casasse, e quando lá chegasse daria de presente as naus dos sonhos de
Oropa, França e Baía. Maria iluminou-se e toda engalanada com ele casou-se. Veio
a lua de mel, muitas noites e tantos dias, meses e anos se passando, Manuel em
Maria se divertia. Até ela bater o pé na cobrança da promessa. Amanhã ou depois
de amanhã, um ano e mais se passou, nada de Manuel cumprir o ajustado. Maria
insatisfeita, não diminuiu no badalo, saía de casa três dias, só voltava quando
ele apalavrasse o que havia prometido. E assim viviam, vez em quando ela
desaparecia, às vezes pra mais de mês, de louco ele sair pelas ruas: Maria, ó
Maria! Você viu Maria? Ninguém dela o paradeiro, ele troncho de saudade,
trocava a noite pelo dia, cadê aquela nega do cão! Lá vinha Maria, mal chegava e
já saía, toda sapecada e apetitosa, dele babar de cair: Vem cá, minha nega
sestrosa, vem cá que eu quero amar. Vou não, só quando cumprir o devido. Manuel
desfalecia de quase morrer do coração. Não tinha outra escolha, desconfiado
contratou um patrício detetive: Descubra se Maria anda a me trair. Pois, pois. E
ficava ele esperando, toda vez que ela sumia. Pra mais de ano chega o
contratado: E aí, patrício, o que é que tu viste? Ah, não vi nada não: só vi um
cu enterrado e outro pulando chão. Só. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do cantor e compositor Alceu Valença:
Oropa, França & Baía ao vivo, Sol e Chuva, Maracatus, batuques e ladeiras
& seus grandes sucessos com muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao
blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui & aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Quando
já não tivermos possibilidades de sucessão, resta-nos testemunhar. Não se perde
a vida daqueles que souberam dar largo testemunho. Conhecemos a fragilidade de
nossas forças e do sucesso, mas conhecem também a grandeza do nosso testemunho.
Eis por que conduzimos sem hesitação a nossa tarefa na certeza da nossa
juventude. [...]. Pensamento do filósofo francês Emmanuel Mounier (1905-1950).
O HUMANO & O DIVINO - [...] As
referências místicas são as únicas que permitem compreender as teletecnologias,
já que tocam a ubiquidade, ao imediato, ao instantâneo, a omnividência, que são
atributos do divido e não do humano. [...]. Pensamento extraído de Rato de laboratório (L’Autre Journal), do filosofo, arquiteto,
urbanista, pesquisador e polemista francês Paul Virilio. Veja mais aqui.
CONTRA O DIA - [...] Por
toda a extensão verdejante que se descortinava abaixo, à luz declinante da tarde,
por entre as formas estelares dos sacos de areia estourados, correndo a todo vapor,
como se por um firmamento terreno, seguia um cavalheiro corpulento de paletó
esporte e calções de golfe, apertando o chapéu de palha contra a cabeça com uma
das mãos e com a outra mantendo equilibrada no ombro uma câmara fotográfica
presa a um tripé. Logo atrás dele vinha a mulher que fora vista por Blundell,
carregando uma trouxa de roupas femininas, embora no momento trajasse pouco
mais que uma espécie de diadema floral, vistosamente inclinado em meio à farta
cabeleira loura. A dupla parecia dirigir-se a um bosque próximo, dirigindo de
vez em quando um olhar apreensivo ao enorme invólucro de gás do Inconveniência,
que descia, como se fosse ele um imenso globo ocular, talvez o próprio olho da
Sociedade, sempre a vigiar do alto, num espírito de censura construtiva. Quando
Lindsay conseguiu arrancar o instrumento óptico das mãos úmidas de Miles
Blundell e induzir o jovem consequentemente frustrado a lançar fateixas e
ajudar Darby a afixar o grande aeróstato à “Mãe Terra”, o casal indecoroso já
havia desaparecido em meio à vegetação, tal como em breve toda essa parte da
República haveria de desaparecer na escuridão crescente. [...]. Trecho
extraído da obra Contra o dia (Companhia das Letras, 2012), do escritor
estadunidense Thomas Pynchon.
TAPEÇARIA - É difícil separar a tapeçaria / Do lugar ou tear que a antecede. / Pois
deve ficar sempre de frente ainda que pendendo para um lado. / Ela insiste
nesse retrato da “história” / Por fazer, porque não há como escapar do castigo
/ Que ela propõe: a visão cega pelo sol. / A vista é engolida com o que é visto
/ Numa explosão da consciência súbita de seu esplendor formal. / A visão, vista
como interior, / Registra sobre o impacto de si mesma / Recebendo fenômenos e,
nisso, / Traça um esboço ou uma planta / Do que estava lá agora há pouco: certo
na risca. / Se tem a forma de um cobertor, isso é porque / Ansiamos, ainda
assim, por nos enrolarmos nela: / Esse deve ser o lado bom de não
experienciá-la. / Mas, em alguma outra vida, que o cobertor retrata, de
qualquer modo, / Os cidadãos mantém um com o outro um comércio agradável / E
beliscam as frutas sem empecilhos, como querem, / E as palavras choram por si
próprias, deixando o sonho / Revirado numa poça em algum lugar / Como se
“morto” não passasse de mais um adjetivo. Poema do poeta
estadunidense John Ashbery
(1927-2017).
ABRIU-SE A BIBLIOTECA... MITOS, RIMAS, IMAGENS,
MONSTROS GENTES E BICHOS
A biblioteca é um lugar de encontros.
Encontros com histórias, encontro com leitores.
Neste final
de semana tive acesso ao livro Abriu-se a
biblioteca… mitos, rimas, imagens, monstros, gente e bichos (UFPE-2014), organizado
pelas professoras Ester Calland de Sousa
Rosa e Maria Helena Santos Dubeux, contendo relatos de sequências didáticas
com a temática do desenvolvimento da leitura literária nas escolas, um trabalho
desenvolvido pelo Centro de Estudos de Educação e Linguagens (CEEL). Da
psicóloga e professora mestre em Educação pela UFPE e doutora em Psicologia
pela USP, Ester Calland de Sousa Rosa, tive
acesso a outras de obras e publicações por ela coordenadas, a exemplo de O fazer
cotidiano na sala de aula: A organização do trabalho pedagógico no ensino da
língua materna, com Andréia Tereza
Brito Ferreira, Ler e escrever na educação infantil: Discutindo práticas pedagógicas,
com Ana Carolina Perrusi Brandão, e Os
saberes e as falas de bebês e suas professoras, com Tacyana Karla Gomes
Ramos.
&
A arte da professora, pesquisadora e artista multimídia Diana Domingues.
&
Freyaravi
& o circo dos prazeres, Cultura de consumo de Mike Featherstone, Kama
Sutra de Vātsyāyana, Contos brasileiros de Julieta de Godoy Ladeira, a
fotografia de Ralf Mohr, World Peace Flame
Humanitarian Projects, a música de Marisa
Monte, a arte de Crystal Barbre & Luciah
Lopez aqui.
&
Lualmaluz, De
segunda a um ano de John Cage, Técnica
e ciência de Jürgen Habermas, a literatura brasileira de Nelson Werneck Sodré, a escultura de George
Kurjanowicz, a música de Sally Seltmann, a arte de Théodore Géricault, Moisés
Finalé, Marni Kotak & Luciah Lopez aqui.
&
Apologia à mentira, Jogo dos
possíveis de François Jacob, a
escultura de Pierre-Nicolas Beauvallet, a música de Alceu, Tavito, Joyce,
Eliane Elias, Maria Rita, Yuja Wang, Arrigo & Marcus Vianna; a arte
de Axel Zamudio & John Harding aqui.
APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São
Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.