quarta-feira, março 15, 2017

JOSÉ JOAQUIM DA SILVA, MONTSERRAT FIGUERAS, GERDA WEGENER, ARAKI NOBUYOSHI, RAJKUMAR STHABATHY, ANGEL POPOVITZ & BIRITOALDO

O QUE ESPERAR DO AMANHÃ - Imagem: aquarela do artista Rajkumar Sthabathy.- Biritoaldo sempre acreditou em milagres. Pudera, num simples piscar de olhos tudo podia acontecer. O que esperar do amanhã, sonhava, olhos abertos, feliz de si, mergulhado em seus pensamentos. Ao cair na real, culpava os pais por não ter alcançado a sua felicidade, todos os outros igualmente responsáveis por sua desgraça. Tinha visões de que um dia seria bem sucedido, isso desde menino. Olhava pra vida um futuro ideal. Na adolescência, viu-se na encruzilhada: queria ser alguém na vida. Precisava e muito ter seu próprio sustento, não depender de ninguém, seguir seu próprio caminho. Era a hora de se despedir da infância e encarar o mundo de frente com o aprendido e por aprender. A hora das escolhas. O tempo passava e muitas opções. O pai sonhava vê-lo respeitável advogado, homem das leis, do certo e do errado. Contudo, não simpatizava todo empaletozado com ar policial a transformar supostos réus ou requeridos a exangues vítimas às cinzas de caprichos jurisprudenciais e do malabarismo jurídico, ou metido na gestão de conflitos ou com ares de prepotência de juízes e promotores. Não, isso não, o tempo passava. A mãe o tinha por um famoso médico salvador de vidas, entretanto, não administrava bem as condições de dor, nem podia ver sangue que desfalecia. Para ele, a intervenção cirúrgica era uma violência irreparável ao corpo sagrado do ser humano, uma selvageria. Além do mais, não era do seu feitio a prática de mecânico para repor peças reparando o funcionado normal das pessoas como se fossem coisas, ou prescrever milagrosos placebos para uma gente adoentada que só queria se livrar da dor e ser feliz sem, ao menos, saber o porquê de suas enfermidades. Era o que pensava, por isso, também não, e o tempo passava. Ah, o padrinho engenheiro do primo era um convite para seguir seu caminho, homem de posses e arroubos, bastante persuasivo e simpático. Todavia, os pequenos erros de cálculos dos imprevistos acidentes, afora o imbróglio de equações e números, isso também não, e o tempo passava. Nutria simpatia pelo pai do amigo de escola que era um invejado economista, profissão da moda na vitrine da mídia, profeta do futuro com palavreado confuso em fazer dar certo o que sempre dava errado. Entretanto, ouvindo o ditado chinês sobre o engano e ter ouvido dizer que a crise existe desde que o seu tataravô era menino de bunda de fora, não isso não, o tempo passava. E mais ouvia que cada um é especialista em alguma coisa, ele precisava ser um deles: fazer uma única coisa e o melhor possível. O tempo passava, a adolescência se esvaíra, adulteza no tino. Se havia especialistas, ele era em porra nenhuma. E permanecia acreditando em milagres, sem conseguir mudar nem seu ponto de vista, nem a compreensão das coisas. Vivia o agora no célere futuro com suas apreensões e tensões, a recessão mundial, a falsa perspectiva e o desânimo global, o pesadelo das intrigas, as desditas e desventuras, sucumbindo às frustrações: é que para ele só vinha o que não era esperado, o indesejável. E se frustrava com suas expectativas, morria a cada situação adversa, sem ao menos lograr vencer sua própria apatia e os grilhões da inércia e do desânimo. Ah, ele agia na veneta, uma motivação emergente que, ao constatar a menor inclinação, logo se recolhia ao seu tolo modo de vida. Não era isso que queria. Não havia como analisar cada decisão, tomava na cara; não submetia nada à luz da razão, só o impulso do desejo. Se era pra resolver, resolvia de qualquer jeito, um dia a coisa muda. Se havia problema, importava só resolvido, da forma que fosse. O tempo passava e ele acreditava em milagre, um dia há. O tempo passou e ele não viu o que fez: a confissão faz bem à alma, liberou emoções reprimidas. Lavou suas culpas, lágrimas no aperto. Cada um dos inimigos ele encarou: estavam todos dentro dele mesmo, fantasmas vigilantes. Resolveu enfrentar o perigo e dominá-lo, não se apavorou; tropeçou, caiu e riu: é só uma ilusão, e voou, asas à liberdade. Se sobrevivia era porque ativava o mecanismo de segurança a todo momento, carregado de temores e sempre atento, sempre em vigília, desconfiando-se de tudo. Pra mudar, liberou geral. Esqueceu de tudo, um dia sequer do passado lembrava. Procurou de forma determinada e com incondicional afinco antever os benefícios e resultados prazerosos de tudo, restou-lhe uma lágrima, uma única lágrima de satisfação. Não durou muito, desolado, sabia agora que o amanhã se faz hoje e só restava plantar no jardim da alma uma semente de vida. E foi viver. Ao acordar no outro dia, não sabia de nada, era o mesmo de antes e o que fez ou havia resolvido fazer dali por diante, nem de longe passava em sua mente, não havia o que fazer, a ele só seguir e apenas manter a firme resolução de acreditar em milagres. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.

Curtindo a arte da soprano catalã Montserrat Figueras (1942-2011).

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DESTAQUE: A CAÇADA, DE JOSÉ JOAQUIM DA SILVA
[...] Os índios iam e viam pelo caminho, alguns embriagados, levantando o punho para o mote,. O Taita Imbatura, que os havia traído. As mulheres fundiam lentamente o mate nas vasilhas de chicha e repartiam a bebeida, chorando. Era o rosto da indianada que se apegava aos casarios da lagoa. Iam tirar-lhes as terras. Iram tirar-lhes as terras. O pensamento se repetia no cérebro, como os golpes isócronos do tambor longínquo. Não havia dúvida: iam tirar-lhes as terras. A ideia fixa perseguiu-os desde que os brancos amanheceram perambulando pelos campos, entre as sementeiras, armados de seus diabólicos instrumentos que vão até o fundo da terra e medem-na com compridas fitas, tal como se faz com o cadáver antes de escolher o alaúde. Mas os runas caíram sobre eles de surpresa. Os brancos acabaram abandonando aqueles aparelhos de bruxo. Salvos! Em seu poder, finalmente, o motivo de suas desgraças, a arma maléfica que torna os inimigos invencíveis. Até que lhes esgotou a paciência e começaram a levantar o braço, a gritar, a levar os punhos perto dos olhos. Os caciques ouviam, sem responder. Afastaram-se uns minutos, deliberaram. E retornaram imperturbáveis. Rodearam os instrumentos, como se fossem prisioneiros e os foram destruindo pausadamente, como os corpos humanos que é preciso desarticular, furar, rasgar, reduzir a pó e a cinza. Com que prazer empastelaram sobretudo esse pequeno monstro parado em três pés, cujo olhinho d’água, inquieto burlão, movia-se de um lugar para outro e brilhava perversamente no sol! Sem a pupila brilhante, o branco já não poderia ver até o fundo da terra. Depois, papaizinho, depois apareceram os soldados com suas armas de relâmpagos e trovão. Taita Imbatura não os havia protegido. Era um monte traidor. Na margem da lagoa os pinhos ameaçavam [...].
Trecho do conto A caçada (Cultrix, 1968), do escritor e jornalista equatoriano José Joaquim da Silva.

CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte da pintora, desenhista e ilustradora dinamarquesa Gerda Wegener (1886-1940).
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DEDICATÓRIA: ANGEL POPOVITZ
Preciso do perfume / da sua libido / para trazê-lo comigo. / Fazer de ti meu abrigo, / meu desejo escondido. / Te cantar abertamente / às cores do amanhecer / que o sol presenteia. / Sonho com cada toque, / que chego a sentir / a macia aspereza de sua barba / roçando o macio / do interno de minhas coxas, / - amanheço desejo - / onde o céu que vejo / é apenas uma explosão de luzes. / Essa distância / ainda me levará / ao dia em que minhas mãos / sempre despidas, / e sem pudores, / irão ensinar-te / que o grito mais alto e profundo / é uma declaração incontrolável / de amor à Vida. / E enfim, não teremos línguas para comentar... / estarão mesmo cansadas, / ainda assim entrelaçadas / como nossos corpos / no leito deleitoso / em um misto de suores, salivas e gozos. / E na manhã o cansaço nos adormecerá, / e o tempo saciado esquecerá de nós. (Plenitude).
A edição de hoje é dedicada à poeta Angel Popovitz.

CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na Terra: Havia aqui uma árvore, agora só uma placa.
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