sábado, fevereiro 04, 2017

BETTY FRIEDAN, CÉLIA MARA, FECAMEPA, OSGEMEOS & PETER KLASHORST


Imagem: Releitura da Bandeira do Brasil (1996), recolhido de Geopoiesis ASM.
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NO REINO DO FECAMEPA NADA PODE DAR CERTO! - Imagem: grafite de OsGemeos, Otávio & Gustavo Pandolfo. - Desde menino, meu pai dava em cima: - Seja homem! Avós, tios, padrinhos, parentes e aderentes, em coro: - Seja homem, seu cabra! Qualquer folga da minha parte, admoestações implacáveis. Ou tomava jeito, ou me emendava acunhado pelas lapadas de corretivos severos. Com essa brabura, ainda adolescente, caí no mundo. Confesso, trastejei: uma escorregada aqui, uma vacilada ali, não era lá um ouro muito dezoito. Nunca fui, sucumbi diante de alguns apertos nada perdoáveis, avalie. Tudo quanto ganhei, aliás, pouquíssimas vezes que venci, foi por merecimento. Zilhões de erros que verguei, nada mais justo na conta do merecido. Valia Thorndike: trocentas tentativas, quase nenhum acerto, erros em demasia. Paguei caro e no mesmo tanto, espero. Levei na cara, arroguei e não arreguei. É certo que dei umas voltas, antes tarde do que nunca. Alguns, se não perdoaram, levaram na conta do menos. Por isso digo que ninguém se espante, o que dizem é tudo verdade. Está dito. Aí fui pra faculdade de Direito aprender que leis, tratados, convenções, acordos, em qualquer parte do mundo, todos foram feitos para serem cumpridos. Na prática, o que eu via, não era bem assim. Era anos 1980, processo de redemocratização, quando só nos restava obediência a quem detivesse o poder – ricos, autoridades, militares, apadrinhados e pelegos que sacassem da cintura ou bolso o AI-5 na nossa rebeldia. Época que o Mobral era a promessa de transformar qualquer calunga em juiz, médico, engenheiro, ou como diziam, ser gente de verdade no meio de um milagre fantasma do ame ou deixe-o, porque ia pra frente prum futuro que ninguém sequer viu no final do túnel. Veio, então, a Constituição Federal, até hoje uma promessa não cumprida e feita pra francês ver. Com o empeachment do collorido pavoneado, parecia que a coisa ia mesmo pra seriedade! Mais o pipocado de muitos e tantos escândalos subsequentes saíram maculando a nossa pretensa democracia fajuta, a tremer nas bases e perigando vez ou outra entornar de vez pro paraíso dos privilegiados. De sério mesmo, ainda estava devendo. Entre contínuos rombos e afanações nas últimas décadas, a gente foi capengando até que no primeiro mandato da Dilma, foi possível ver os donos dos país serem quase todos presos – registre-se como verdadeiro fato sem precedentes na mal contada História do Brasil. Resultado? A coisa desandou de rachar a Nação no meio e tudo deu no que deu. Entre golpes e tramoias, ficou valendo a definitiva vez da incompetência, da ineficiência, do nepotismo e do onanismo – atirar com espoleta dos outros é bão demais! De reino da espórtula foi pra desconfiança: todo mundo é culpado antes até de ser suspeito. Ah, Darcy, sempre aos trancos e barrancos. Não deu pra aprender a lição – só tem diploma quem pode pagar e com um detalhe: não se garante mais o futuro, o que tem de pós-graduado ao arrepio da lei, não dá pra contar! -, tudo mudou de lugar: o público foi privatizado e privado foi publicizado. Além do mais a regra virou exceção e, esta, o costume. E se em qualquer lugar do mundo tudo acertado é devidamente respeitado, aqui não, só para ser violado. Todas as avenças justadas e reajustadas, reconhecidas e registradas em cartório, são, invariavelmente, infringidas, quando não fraudadas, distratadas ou extracontratadas depois de tudo pactuado. Uma zona. Ah, nosso santo jeitinho. Isso é o Brasil, o reino do Fecamepa. Aquele que Caminha disse: em se plantando tudo dá! Verdade, só não disse o quê - pro errado do certo, evidentemente. Afinal, no país da impunidade nada pode dá certo! © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.

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DESTAQUE: A MÍSTICA FEMININA
[...] Para a mulher que progride há sempre o senso de perda que acompanha uma mudança: velhos amigos, rotinas familiares perdidas e as novas ainda pouco definidas. [...] De súbito, encaixa-se a peça final do quebra-cabeças. Há um elemento sem o qual nem as mais frustradas conseguiram sair da armadilha. Independente de experiências da infância ou sorte no casamento, havia algo que deixou frustradas todas as que procuraram ajustar-se à imagem da dona de casa, algo que era partilhado por todas as que finalmente encontraram sua vocação. A chave da armadilha é, naturalmente, a educação. A mística feminina deu uma conotação suspeita aos estudos superiores, acusando-os de desnecessários e até perigosos. Mas creio que só a educação salvou e pode salvar a americana dos perigos ainda maiores que a mística. [...] As mulheres que assim agiram, apesar dos lúgubres avisos da mística feminina, são, de certo modo, “mutações”, isto é, a imagem do que a americana poderia ser. Quando não podiam trabalhar em expediente integral para ganhar a vida, ocupavam algumas horas em tarefa que verdadeiramente as interessava; uma vez que para elas o tempo era essencial, muitas vezes passavam por cima dos detalhes e trabalhos inúteis da vida doméstica, tão do agrado da ativista profissional. [...] Essas mulheres sofreram e venceram a “descontinuidade cultural no condicionamento ao seu papel”, a “crise de situação” e a crise de identidade. Enfrentaram problemas e bem sérios, jogando com a gravidez, procurando babás e governantas, desistindo de boas situações quando o marido era transferido. Tiveram também que aguentar muita hostilidade das outras mulheres e inúmeras suportaram o ressentimento ativo do marido. Além disso, por causa da mística, várias sofreram desnecessários complexos de culpa. Era preciso — e ainda é — uma força de vontade extraordinária para ser fiel a esse plano de vida quando a sociedade não o apoia. Contudo, à diferença das donas de casa prisioneiras, cujos problemas se multiplicam com o passar dos anos, resolveram suas crises e prosseguiram caminho, resistindo às persuasões e às pressões, sem renunciar aos seus valores, muitas vezes dolorosos, pelos consolos da conformidade. Não se recolheram às suas conchas — enfrentaram os desafios do mundo. E hoje em dia sabem muito bem quem são. Realizaram, talvez sem o perceber, o que todo homem ou mulher deve fazer para se manter a par com o ritmo acelerado da história e encontrar ou conservar a sua individualidade em nossa sociedade niveladora. As crises de personalidade de homens e mulheres não podem ser resolvidas de uma geração para a outra; em nossa sociedade em rápida mutação precisam ser continuamente enfrentadas e resolvidas, para serem novamente enfrentadas e solucionadas no período de uma só existência. O plano de vida deve estar aberto a mudanças, à medida que novas possibilidades se apresentem, na sociedade e no íntimo de cada um. Americana alguma que inicie hoje sua busca saberá ao certo onde ela a conduzirá. Nenhuma a iniciará hoje sem lutas, sem conflitos, sem fazer apelo a toda a sua coragem. Mas as que conheci e que se adiantavam rapidamente nessa estrada desconhecida não lamentavam as dores, os esforços, os riscos. [...] Quando mães realizadas as conduzirem à segurança de sua condição de mulher não será necessário esforçar-se por ser feminina. Poderão evoluir à vontade, até que por seus próprios esforços encontrem sua personalidade. Não precisarão da atenção de um rapaz ou de um homem para se sentirem vivas. E quando não mais precisarem viver através do marido e dos filhos, os homens não temerão o amor e a força da mulher, nem precisarão das suas fraquezas para provar a própria masculinidade. E finalmente homem e mulher verão um ao outro como de fato são, o que talvez venha a ser um passo adiante na evolução humana. Quem sabe o que será a mulher quando finalmente livre para ser ela mesma? Quem sabe qual a contribuição da sua inteligência quando esta puder ser alimentada sem sacrifício do amor? Quem sabe das possibilidades do amor quando o homem e a mulher compartilharem não só dos filhos, do lar, de um jardim, da concretização de seu papel biológico, mas também das responsabilidades e paixões do trabalho que constrói o futuro humano e traz o pleno conhecimento da personalidade? Mal foi iniciada a busca da mulher pela própria identidade. Mas está próximo o tempo em que as vozes da mística feminina não poderão abafar a voz íntima que a impele ao seu pleno desabrochar.
Trechos extraídos da obra Mística feminina (Vozes, 1971), da escritora e feminista estadunidense Betty Friedan (1921-2006).

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