segunda-feira, setembro 12, 2016

UNGARETTI, TACUCHIAN, GRAF DÜRCKHEIM, JEROME BRUNER, CÉLIA GOUVÊA, TESS GUBRIN, KERRY LEE & ANA CAROLINA FERNANDES


ANDEJO DA NOITE E DO DIA (Imagem: foto Ali havia uma árvore, LAM/2016) – Sou pedestre ao amanhecer. A cidade ainda dorme alheia ao espetáculo da alvorada. As ruas livres pros gorjeio de pássaros peraltas e pros meus passos erradios entre poças e batentes das irregulares calçadas alinhadas ou esburacadas entre o calçamento e barro batido, todas lisas e cuido para não escorregar. Gosto de me perder nas encruzilhadas, pelas curvas das ruas a sensação do desconhecido. Sou caminheiro visionário e percebo na ausência de tudo que as pessoas roncam quase silenciosas pelas frestas das residências, enquanto os motores adormecem nas garagens, antes de invadirem o trânsito para transformarem a vida numa loucura desorganizada. Na primeira esquina dobro a esmo, não sei precisamente onde estou nem se chegarei a algum lugar, apenas caminho pelo meio fio, fitando muros, portões, casas, prédios, até, quem sabe, encontrar no caminho de volta. Divago na perdição, e me encontro de mim mesmo. Brinco como se entrasse pela perna de pinto e saísse pela perna de pato, é o meu jeito de ser. E a cada passo refaço-me, até que em certa altura do trajeto, tenho a sensação de que já estive por essas paragens e vou relembrando partes do logradouro, quando me dou por certo num ponto de parada da condução, sem sinalização, sem abrigo nem nada por identificá-lo, lembrei-me disso, sim e havia uma árvore aqui por referência, não há mais. Divisei com o primeiro morador no portão e ao perguntá-lo me respondeu que há mais de quarenta anos que residia ali e já havia um pé de não sei quê que seus avós e pais falavam de tempos, nem ele sabia ao certo quanto nem de que era mesmo, mas que havia sido cortado ontem. Que coisa!?! Havia tempo que eu não passava ali, acho que era um pé de amêndoa, não sei bem. Uma vizinha ao ouvir nossa conversa disse que aquela árvore frondosa era o amparo dos passageiros pra pegar o ônibus, agora nem sabe mais se é ponto de parada. Outra moradora da mesma casa dizia que a árvore estava causando danos ao muro e à residência em frente, uma casa pro dono dela muito frienta e cheia de bichos de todas as espécies, levando-o a requerer por diversas vezes a sua derrubada, até que lograra êxito e ela foi demovida ontem com raiz e tudo, por um guindaste que removeu suas toras para o caminhão de uma empresa lá, parece que da prefeitura ou prestadora de serviços, ninguém sabia direito. Arrancaram e logo fizeram o serviço bem feito, como se nada antes houvesse ali. Ninguém dera conta, pra eles nada demais. Alguém que pergunta qual a serventia de uma árvore mesmo plantada numa calçada, atrapalhando o passeio e tudo na vida. É, pelo que vejo, preferem a ausência dela. Realmente, pra eles, nada demais. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

UMA MÚSICA
Enquanto caminhava soavam na ideia os acordes do álbum Tacuchian: Música para piano (ABM, 2005), do compositor, professor e maestro Ricardo Tacuchian, na interpretação de José Eduardo Martins, Max Lifchitz, Anne Kaasa, Ingrid Barancoski, Sérgio Monteiro & Regina Martins.
 
PESQUISA: MOMENTO DE REFLEXÃO - [...] A cultura é superorgânica, mas ela também molda a mente de indivíduos. Sua expressão individual é parte da produção de significado, a atribuição de significados a coisas em diferentes contextos em ocasiões particulares. Produzir significado envolve situar encontros com o mundo em seus contextos culturais apropriados a fim de saber “do que eles tratam”. Embora os significados estejam “na mente”, eles têm suas origens e sua importância na cultura na qual são criados. É esta localização cultural dos significados que garante sua negociabilidade e, no final das contas, sua comunicabilidade. Não se trata, aqui, da existência, ou não, de “significados particulares”; o importante é que os significados constituem uma base para o intercâmbio cultural. Nesta visão, saber e comunicar são, em sua natureza, extremamente interdependentes, de fato praticamente inseparáveis. Por mais que o indivíduo pareça operar por conta própria ao realizar sua busca de significados, ninguém pode fazê-lo sem o auxílio dos sistemas simbólicos da cultura. É a cultura que fornece as ferramentas para organizarmos e entendermos nossos mundos de maneira que sejam comunicáveis. A característica distintiva da evolução humana é que a mente evoluiu de uma forma que permite que os seres humanos utilizem as ferramentas da cultura. Sem ferramentas, sejam simbólicas, sejam materiais, o homem não é um “macaco nu”, mas uma abstração vazia. [...]. Trecho extraído da obra A cultura da educação (ArtMed, 2001), do psicólogo e professor estadunidense Jerome Bruner (1915-2016), líder do movimento denominado de Revolução Cognitiva, ocorrido na década de 1960, introduzindo novas perspectivas ao estudo da mente na superação do behaviorismo que focava apenas os fenômenos observáveis.

UM LIVRO: A ALEGRIA
Meu coração esbanjou vaga-lumes / se acendeu e apagou / de verde em verde / fui contando / Com minhas mãos plasmo o solo / difuso de grilos / modulo-me / com / igual submisso / coração / Bem-me-quer mal-me-quer / esmaltei-me / de margaridas / enraizei-me / na terra apodrecida / cresci / como um cardo / sobre o caule torto / colhi-me / no tufo / do espinhal / Hoje / como o Isonzo / de asfalto azul / me fixo.
Aniquilamento, poema extraído da obra A Alegria (Record, 2002), do poeta e professor italiano Giuseppe Ungaretti (1888-1970).

PENSAMENTO DO DIA: UMA GATA EXTRAORDINÁRIA – Em uma casa, de certo país, há um rato enorme e muito perigoso. Para libertar-se dele, o proprietário da casa apela para todos os mestres-gatos que ele conhece. O primeiro gato que se apresente é um grande atleta, um gato muito forte. Mas, para surpresa de todos, este gato, que sempre fora vitorioso, é vencido pelo rato. Apresenta-se um outro gato que diz ao primeiro: “É perfeitamente normal que você tenha sido vencido, porque à sua força opôs-se uma outra força. É preciso se servir da força do inimigo para que ele se autodestrua”. Este gato conhece bem as artes marciais. Entretanto, apesar de aplicá-las com toda competência, é vencido. Chega ainda um outro gato que diz: “Todos os meus predecessores não compreenderam. Este tipo de tato só pode ser vencido com o poder do espírito”. Senta-se em uma postura adequada par hipnotizar o rato. Mas isso de nada adianta. Então, eis que chega uma velha gata que não tem um ar extraordinário. Entra no quarto, vai diretamente ao rato, pega-o pela pele do pescoço e joga-o fora. Todos os mestres-gatos lhe perguntam: - “O que você fez? Qual foi a sua técnica? Quem é o seu mestre? Qual é a sua energia? Como isso é possível?” E ela lhes responde: - “Eu não tenho técnica. Quando entrei neste quarto não tinha nenhuma ideia, nem sobre o rato nem sobre o modo de vencê-lo. Simplesmente escutei o movimento do meu ventre, o movimento da vida em mim e fiz o que me pareceu certo”. esta é a força do hara. E completa: - “Nada tenho de especial. Conheço em um país vizinho, alguém que é muito mais forte do que eu. É um velho gato, muito gentil, que passa seus dias dormindo, deitado em um banco. Mas no país onde ele mora não existem ratos”. Trecho extraído da obra Practica del camino interior: lo cotidiano como ejercicio (Mensajero, 1994), do psicoterapeuta, Mestre-Zen e diplomata alemão Graf Dürckheim (1896-1988), um adepto do nazismo veterano da I Guerra Mundial que, ao ser preso no Japão na II Guerra Mundial, transformou-se espiritualmente, tornando-se defensor da esotérica tradição espiritual ocidental ao sintetizar ensinamentos do misticismo cristão, Psicologia Profunda e Zen Budismo.

UMA IMAGEM
A arte da premiada fotógrafa e fotojornalista Ana Carolina Fernandes.

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Ratadas & atassalhaduras, Honoré de Balzac, Jean-Luc Godard, Montaigne, Direito de amar & danos de amor, Suzana Salles, Charlotte Wolter, Cécile Camp, Milo Moiré, Louis Maeterlinck, Louis Hersent & Pessoa de Araújo Lopes aqui.

DESTAQUE: CÉLIA GOUVÊA

A arte da bailarina e coreógrafa Célia Gouvêa que integrou o grupo belga Chandra e uma das fundadoras do grupo Chandra.

CRÔNICA DE AMOR POR ELA
 Reclining nude, do artista plástico neozelandês Tess Gubrin.
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CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Inner Peace, by Kerry Lee
Paz na Terra
Recital Musical Tataritaritatá - Fanpage.
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