Imagem: O boi da vila – óleo sobre
madeira, do artista plástico pernambucano Bajado - Euclides Francisco Amâncio
(1912- 1996).
TRAJETO FATAL
Luiz Alberto Machado
Dudanildo Pontes era um sujeito bem quisto
por ali; gentil, sensato, prestativo e de uma afetividade prestimosa para com
todos que requeressem sua atenção. Houvesse o que fosse, quantos aniversários,
batizados, casamentos, noivados, despedidas de solteiro, quebra panelas,
assustados, quermesses, micaretas, festanças, comemorações, formaturas,
reuniões, sessões, audiências, júris, escrutínios, compadrios, testemunhos,
féretros, coretos e efemérides afins, destinavam-lhe convites para tudo que
acontecesse e lá estava ele presente, prestigiando sempre aquele povinho que
efusivamente acolhia sua participação. Para um funcionário de banco oficial, ocupante
do cargo de gerente, sendo, pois, aquele corpo funcional o mais abominado pela
unânime ojeriza dos dali, verdadeiros portadores de um deus na barriga, caras
fechadas, beiçudos intragáveis, chatos de galocha, com um péssimo atendimento
dispensado aos que buscassem seus serviços, odiados desde a mais remota
descendência até os futuros tataranetos, ganhar a simpatia popular, era,
verdadeiramente, um feito inusitado, sem precedentes nos anais históricos da
instituição, tida como antipática e distante dos propósitos desenvolvimentistas
apregoados pelos maiorais da nação. Nunca aquela entidade financeira angariara
tanto prestígio junto aos correntistas e simpatizantes quanto na gestão dele à
frente da gerência local, prospectando clientes até doutras localidades
circunvizinhas, devido seu cordial tratamento que distoava, segundo bocas
gerais, dos demais funcionariozinhos metidos à merda, cheios de pregas, beiços
virados, que se encontravam lotados naquela agência bancária. Agora não,
acorriam todos para as filas, colaborando, reciprocamente, com a mais cândida
figura que aparecera por aquelas plagas. Até candidaturas para vereador,
prefeito, deputado ou senador, até para presidente da república, os integrantes
de um verdadeiro cordão de puxa-saquismo, lançara seu nome, apoiado por todas
as camadas sociais, dos industriais ricaços ao maior maloqueiro pé-rapado,
devida a sua popularidade e acolhida por tão hospitaleira populaça, todos uns
folgados que já na intimidade o tratavam por Dudinha, espelho inconteste do
carinho deles com o seu simpático prestador de serviços.
Prudentemente e com altaneira atitude
humílima, Dudanildo se eximia daquelas responsabilidades oferecidas com um não
tão bem argumentado, que todos se arrependiam no mesmo instante de tê-lo importunado
com tal despropósito. E não parava por aí, convidado para clubes de serviços,
associações várias, maçonaria, entidades filantrópicas, cooperativas disso,
agremiações daquilo e ele, prontamente, aceitando e sufragando um cheque gordo
como doação voluntária, lançando a pedra fundamental para uma estreita amizade
entre ele e todos os munícipes. Era paraninfo disso, patrono daquilo, teve até
um tempo que fora patrono e paraninfo de todas as escolas de Alagoinhanduba,
presenteando todos os formandos e agraciando os corpos docentes e discentes de
qualquer educandário da cidade, com uma dádiva qualquer, marcando presença em
todos os festejos. Não faltaram convites de outras localidades da região, dada
a popularidade adquirida, ultrapassando fronteiras. Fosse piso de paróquia ou
teto da associação dos Biriteiros, ou banca escolar, ou apadrinhamento de um
órfão que acabara de rebentar, ou, outrossim, era uma fila de pedintes
atendidos em suas requerências. De fato, ele era um verdadeiro sangue bom,
altruístico até dizer basta, e tudo isso aliado a uma simpatia exuberante, um
porte atlético que lhe conferia uma beleza rara, uma elegância impecável e
muito gentil no modo de falar, de vestir, de caminhar; um protótipo exato de
Deus para aquele povinho crédulo, a ponto de compará-lo às virtudes de Jesus,
só faltando os milagres para completar a deificação. E não bastando teve gente
até que numa das homenagens prestadas ao bom samaritano, chegou ao cúmulo de
erguer uma estátua de bronze em agradecimento aos seus serviços prestados, com
inscrições elogiosas por sua conduta ilibada e admirada por quem quer que
fosse. Fato, deveras, bastante constrangedor para ele que, abstendo ao
estardalhaço da desproposital homenagem, preferiu fosse removida para o jardim
de seu palacete, para que não se afigurasse qualquer adoração à sua pessoa,
ficando reclusa apenas ao seu reduto residencial, como sinal de gratidão aos
amigos afetuosos. E isso fora pouco, de título de cidadão honorífico a comendas
inventadas pelos baba-ovos de todo tipo de associação e ajuntamento de gente
fora atribuído a ele em festanças ruidosas.
Doutra feita, o prefeito Zé Pabo,
recém-empossado no cargo, mal sentara na cadeira da prefeitura e dera de fazer
anunciar a maior valsa de debutante para a filhinha querida, partido mais
cobiçado da paróquia e sensação geral dos marmanjos, da turma do gargarejo e de
todos os eleitores. Estava armando um circo enorme para agitar a mundiça,
encobrindo outros propósitos escusos dali para frente na sua administração. Dizem,
claro, as más línguas, que o prefeito só angariara mesmo êxito no pleito
eleitoral por explorar as formas generosas da filha adolescente, num
pirotécnico show de exposição pública, regado a reboladas e umbigadas dela com
a plebe ignara. O anúncio da festa de aniversário dela causou o maior rebuliço.
E já tinha nego até de um olho só esperando os quatro meses que se separavam
daquele retumbante evento. Não havia macorongo que não quisesse testemunhar a
graciosidade da moça. Era a sensação que encobriria os desmandos de Zé Pabo. E
ele sabia disso e, como marketing, botou a franguinha jeitosa logo no front. O
primeiro convite fora para o Dudanildo, com uma observação em letras garrafais
e mal escritas pela caligrafia analfabeta do edil, que, ainda por cima, escrevia
por sílabas repetidas como se fosse gago até na escrita, alegando que não se
aceitaria, sob hipótese alguma, a ausência dele naquele acontecimento ímpar.
Dava trabalho traduzir aquela garrancheira, mas ele se valia da intenção.
Claro, não se comemora quinze anos mais de uma vez, principalmente do xodó da
cidade. Ao lado da assinatura estava um recadinho exclusivo com letras
miudinhas e inseguras da jovem tratando-o por tesão lindo e que ele não poderia
faltar, estava intimado, assinado, sua Lurdinalva.
O recato do Dudanildo não permitiria tal
provocação visto não ser ele nenhum papa-anjo, nem levando em conta a ousada
forma como a menina se expressara no perfumado convite. O certo é que a
presença dele viraria noticiário nas emissoras de rádio e proporcionaria ao
prefeito um maior índice de popularidade. Pois tá.
Foram pra mais de meses organizando o baile,
tudo nos mínimos detalhes do maior aparato ruidoso que se pudesse imaginar por
ali, enquanto Zé Pabo engalobava algumas somas subtraídas do erário público em
defesa de seu interesse próprio. E afanava despudoradamente cônscio de que não
haveria Câmara de Vereadores nem Tribunal de Contas que resistisse a uma
rabissaca da filha. A Lourdinalva, entretida com seus devaneios juvenis, ficava
o tempo todo ligando para Dudanildo, sussurrando arroubos sentimentais e
cobrando a sua presença na festa, insinuando que estaria mais linda que nunca,
somente para ele. Dudanildo não dava corda e alegava que talvez algum
compromisso inadiável impossibilitasse de presenciar a valsa. mas que faria o
impossível para estar presente, em carne e osso.
Na hora e dia previstos lá estava,
acompanhado de sua elegante esposa, Gina Célia, e da filha púbere, Lucrécia
Diva. Um trio perfeito e invejado, elegantemente extraordinários,
maravilhosamente trajados e fatalmente admirados, centro absoluto de toda
atenção. O óbvio é que a presença deles, isto é, do casal, enciumou a
aniversariante que entabulou alguns ardis para ofuscar a presença dos tais. E
tome requebros de arrepiar até padre enclausurado no meio da mais fervorosa
emoção no púlpito.Os grã-finos da cidade estavam imitando a indumentária, os
cacoetes e gesticulações deles, visto, serem eles, Dudanildo e família, o
referencial maior para os modismos que entrassem em vigor em qualquer ocasião.
E o paparicado corria solto, com tudo do bom e do melhor para os Pontes,
inclusive, um garçom exclusivo à sua disposição. Se se fosse espirrar, centenas
de lenços afloravam; se ia dar esmolas, chacoalhada de moedas sacadas por
dezenas de bolsos outros para poupar-lhe o incômodo; se tencionava descer do
automóvel, já tantas mãos puxando a maçaneta para facilitar o desembarque onde
quer que fosse. Era um rebuliço quando eles chegavam a qualquer local.
Justo naquela ocasião, aparecera Giba Jibóia,
empreendedor forasteiro que chegara à cidade por vitória duvidosa numa
licitação pública local, visando a construção de obras propostas pelo prefeito.
Bom papo, todo cheio de agá, muito lero-lero, closes na gesticulação exagerada
dele, imponência forçada, pavoneado exibicionista, enfeitiçara o maioral com
uma comissão vantajosa e propunha aplicação de valor estimado em alguns milhões
de reais ao gerente, no meio da festa regada a uísque escocês falsificado no
enchimento do próprio gestor público, iguarias variadas e muito arrastado de pé
na dança, no maior despropósito sem conta. Conseguira mesmo assim impressionar
Dudanildo que nunca saíra do sério com volumes que fossem de dinheiro, visto
que tivera em sua carteira, noutras agências, clientes em potencial,
proprietários de investimentos que ultrapassavam milhões e milhões repousando
em suas respectivas contas correntes. Giba, um pouco contrariado com a
constatação altiva do Dudanildo, naquela ocasião embaraçosa, dera por atenção a
Lourdinalva que cativara com sua beleza estonteante, o seu coração, flertando e
dirigindo cordialidades excêntricas à debutante. Ela também se empolgou com as
investidas do forasteiro e, conta-se à língua solta, que, devido tal
circunstância, a mimosa, dias após, envolvera-se com o sujeito, perdendo os
selos protetores em visitas escusas ao apartamento do hotel onde se instalara o
Giba. A coisa ainda figurava nos abafos da coisa proibida, sob o manto das
aventuras escondidas, mas que Giba gostaria logo que se tornasse pública pela
sua mania de exibição. Ele minuciosamente delatava a ouvidos outros e aos
cochichos, os detalhes de tal conquista bem como todas as peripécias sexuais
praticadas com a inocente. Depois da festa este era o assunto de todo disse-me-disse
entre fuxiqueiros e delatores de bares, barbeiros, sapateiros, manicures,
pescadores, caçadores, consultórios, filas e recepções.
E se passara o tempo e houve um estreitamento
nos laços de amizade entre o bancário e o empreendedor astuto, a ponto do
esnobe presentear um carro zero quilômetro na festa de aniversário de Gina
Célia, mais uma de suas astúcias forjadas na maior camuflagem com décimas
intenções. Alguns outros menos desavisados ligaram o disconfiômetro e
assinalaram logo para o galanteio do metido pras bandas da mulher do Duda,
ferindo o brio de seus amigos e simpatizantes, fato que fora esclarecido como
mera cortesia para a presenteada e seus familiares, não havendo outro que não
este, apenas, por motivo. Sim, escusas, mas que deu no que falar, deu. O certo
é que Duda, Gina Célia e Lucrécia Diva, pela imponência natural, jamais se
misturariam com tão escuso elemento. Se fora audácia sequiosa e ousasse algum
retorno lucrativo disso, obtivera, apenas, indiferença. Pela insistência dos
presentes, adornos caros, joias raras, brilhantes, produtos de um requinte bem
aquinhoado, conseguira Giba, finalmente, chamar a atenção deles. Não mais que
isso.
O tempo se passara e a obra corria solta
esbugalhando os olhos surpresos dos comparecentes que ali acorriam com o fito
de fiscalizar tão gigantesca empreitada numa administração tão desprezível
quanto a de Zé Pabo. Ninguém ainda sabia no que ia dar aquilo, um monte de
catrevagem desarrumando a cidade com um maquinário pesado e diverso, como se
fosse construir uma pirâmide pelo aparato da obra. Havia um montão de
realizações faraônicas, todas frutos de um entusiasta extravagante e
deploravelmente despreparado. Mas mesmo assim, fora a admiração por Duda,
depois do estardalhaço da sedução do Giba por Lourdinalva, que a obra chamara a
atenção. Visto que ardilosamente o prefeito anunciou ser em sua homenagem que
aquele patrimônio seria construído. E colocou logo uma placa: do povo de
Alagoinhanduba em homenagem ao seu maior servidor: Dudanildo Pontes. A negada
até se esquecia de descobrir o que era, mas já que era para o Duda, estava bem
feito. Todo mundo mordeu a corda e estava o dito pelo não dito. Enquanto isso,
a roubalheira corria solta no Palácio do Capim, onde uma corriola fazia festa
com as verbas oficiais. Era nego enricando do dia para a noite.
Certa hora da tarde de dias depois invadira
Giba o gabinete do Dudanildo, objetivando contrair um empréstimo emergencial.
Duda nem pestanejou e dispôs imediatamente da quantia solicitada na conta
corrente do requisitante. Mais dias depois o contraente liquidava a duplicata
na presteza do vencimento. A partir daí as visitas do Giba ao gabinete do Duda
resultaram em papagaios creditícios outros que foram acontecendo durante o
enlace, concomitantemente, já se acostumando pelas solicitações e óbvias
liquidações, às vezes, antes do período aprazado por eles.
Meses mais depois e bote meses nisso, quase
ano, uma nova transação os estreitava, desta vez com o desconto de um volume de
duplicatas bastante avultado, visando complemento de capital para tocar a obra
que andava meio lenta àquela altura do campeonato. Era um montante duma
exorbitância tal que Dudanildo deu uma freada de hidrovaco na situação. A
negativa pegou Giba de surpresa, mas não se fez de rogado, passou na cara os
presentes dados por ele aos seus familiares e que não era oportuna aquela
negativa seca, tratando-se de pessoa tão caridosa e de boa índole como ele,
numa transação temporária que traria lucros, tanto para o solicitante, quanto
para a instituição financeira em questão, que avaliaria o resgate das
duplicatas como sendo um dos maiores negócios transados naquela agência. Mais
amiúde citou Giba que tendo em vista atraso no repasse da conta única do
governo, descapitalizara na manutenção das obras empreendidas. Era verdade. Tal
situação levara Dudanildo a pensar um pouco, deixando para aprovar o cadastro
no dia seguinte. Naquela noite ele pensara muito, era muito dinheiro em jogo e
tal contrato poderia comprometer mais de vinte e seis anos de funcionário
exemplar no banco. Não, resolvera que na manhã seguinte negaria o desconto. E mal
começara o expediente, o opulento replicante se encontrava como sempre
arrotando riqueza e com um bafo de superioridade capaz de domar qualquer
inexorável opositor. Duda não deu fôlego ao folgado e negou taxativamente. O
insistente aí deitou argumento pesado, justificando em quase duas horas de
discurseira, a razão porque ele deveria acatar seu pedido. Irredutível estava e
assim ficou. O pretendente recorreu às razões mais recônditas que se podiam
existir, usando de um arrazoado absurdo com inconvenientes abusados de que não
poderia quebrar no meio do caminho de uma obra caríssima e que honraria até sua
inauguração. Não! Empertigado, não conseguindo esconder um certo nervosismo,
Giba recorreu a um golpe baixo, oferecendo propina, trinta por cento do valor
desejado a título de comissão. Não! Tentando controlar a situação, Giba deixou
a proposta de condição para que ele pensasse um pouco, não assim de supetão,
que por ser sexta-feira, aguardaria a resposta para a segunda, claro com a
devida aprovação e liberação da verba pretendida na sua conta corrente.
Dudanildo estava irredutível. Para não enfrentar o duro gerente e ganhar tempo
para retomar a situação, Giba deixou por pendente tal disputa até a
segunda-feira. Duda repisou, repensou, renegou, se sacrificou horas e horas com
o pensamento de jamais macular sua imagem, maquinando uma maneira de efetivar o
caso sem que ninguém tomasse conhecimento até o resgate das duplicatas em
questão, concatenou tudo, virou a sexta em claro, o sábado absorto, o domingo
fatigado até que chegou segunda e Giba, insolentemente, se assentara
confortavelmente na poltrona da gerência, aguardando o sim requerido. Demorou
horas numa lengalenga, uma verdadeira encheção de saco, muita lamúria, várias
clemências, um labirinto de recomendações, juras, súplicas, comprometimentos,
promessas, quando por fim, não aguentando mais, Duda tomou a decisão. Autorizou
a transação e embolsou polpuda comissão, transferida imediatamente para a conta
da esposa noutra instituição bancária, evitando o flagrante de tal fraude. Giba
ensolarou, beijou-lhe as faces e as mãos, agradeceu insistentemente, com jura
de mãos e pés postos perante a cruz que resgataria tudo em trinta dias. Fora o
mês mais rápido na vida do Duda que não descansava o sono repisado pelo
pesadelo de um calote possível.
Quarenta dias após o trato, estava a dívida
pendente, passando pelos mais diversos departamentos, se alimentando cada vez
mais de uma avalanche de problemas, com cada responsável por setor livrando-se
da batata quente como podia para escapar de futuras agonias que ameaçava o
fato. Duda cambaleou pela primeira vez na vida. E se via desmoronando em queda
livre.
Mais dois dias depois uma auditoria
implacável remexia tudo fiscalizando todas as contas da agência. Ele nem dormia
de noite, sob olheiras aparentes e uma tremedeira sem fim, não conseguia sequer
balbuciar a mais tênue palavra. Saindo do marasmo ele foi procurar o Giba que
se evadira três semanas antes do vencimento, não descobrindo seu paradeiro.
Soubera, apenas, que o intrépido fugira com a filha do prefeito para lugar
incerto e não sabido, tomando ciência que o político o responsabilizara pelo
acontecimento. Fora iminentemente informado por parentes da fugitiva que o pai
preparava um plano para separá-lo da mulher entregando a própria filha para um
casamento pomposo, visto que sonhava tê-lo por genro. E agora? Recorrera à
claque, aos simpatizantes de sempre para formação de uma corrente no sentido de
salvar seu emprego e angariara, apenas, repulsa. Não esperava ele que
encontrasse portas fechadas. Zé Pabo sequer quis recebê-lo, desautorizando até
qualquer funcionário da prefeitura a fazê-lo sob a ameaça de demissão sumária.
Estava sozinho, envergonhado. A bomba estourara e seus estilhaços chegaram às
mais maldizentes línguas, propulsoras dos enredamentos maledicentes, tão
peculiares em qualquer provinciazinha brasileira.
Oito dias após a conclusão da auditagem, uma
demissão por justa causa abalara suas estruturas. Cadê Giba que não dava as
caras? Confiscaram seus três automóveis, duas residências em Brasília, uma
fazenda em Goiás, um barco de pesca e uma casa de praia em Tamandaré, saldos de
duas contas correntes e três cadernetas de poupança doutros bancos, deixaram-no
liso, sem crédito e sem ter onde cair morto. A mulher e a filha ele mandara
embora para não sofrerem o achincalhe tão comum nestas ocasiões, ficando
solitário em sua inominável situação. Estava sozinho e recolhera seus
pertences, sobraram poucas migalhas: um anel de formatura do curso de
administração de empresas; algumas fotos risonhas ostentando suas anteriores
posses e familiares; alguns contracheques, os quais ficou horas olhando seus
vencimentos; um álbum de fotografias da Lucrécia Diva desde o primeiro dia de
nascimento até então; porte obrigatório de anos anteriores dos veículos de sua
propriedade; um bilhete de Gina Célia e Lucrécia Diva com a inscrição de “Nós
te amamos!”; sua carteira de identidade e outros documentos, cartões de crédito
vencidos, nenhum centavo; uma medalha de honra ao mérito/1982, concedida pela
Associação Beneficente das Senhoras de Caridade de Alagoinhanduba; um troféu
gerente do ano/1985; e um revólver calibre 38. Lá pelas tantas um estampido quebrou
o silêncio que tomava conta da sua vida. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
Imagem: A mulher com cesto na cabeça, do artista plástico pernambucano Bajado - Euclides Francisco Amâncio
(1912- 1996)
A edição de hoje é dedicada especialmente
à professora e bibliotecária Jessiva
Sabino de Oliveira. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
E veja mais a
canção Crença, Gabrielle D´Annunzio, Jack Kerouac, Al Jarreau, A princesa que
amava insetos, José Antônio da Silva, Edgar Rice Burroughs, Benício & Kristen
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DE AMOR POR ELA
A bibliotecária Tataritaritatá!