segunda-feira, agosto 03, 2015

CALVINO, INGARDEN, MUSGRAVE, MELISSO, DOLORES, CAREQA & WAITS, DUBUFFET, O TEATRO & FENELON BARRETO!

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? O TEATRO & FENELON (Imagem: Teatro Cinema Apolo, de Ângelo Meyer) – Era eu aluno do primeiro ano no Ginásio Municipal dos Palmares, em 1971, quando numa tarde de sexta da primeira semana de aula, aconteceu a apresentação de um drama. Fiquei extasiado com coisa tão maravilhosa. Estava decidido a estudar Teatro. Fui até à Biblioteca Pública Fenelon Barreto e lá a sempre dedicada e prestimosa professora e bibliotecária Jessiva Sabino de Oliveira me dispôs todo acervo disponível – e que acervo, diga-se de passagem. Comecei pelo Manual do Encenador de Hermilo Borba Filho e, ao mesmo tempo, tanto conhecia a sua literatura como os livros técnicos teatrais publicados. Daí li o trio da tragédia grega, Ésquilo, Sófocles e Eurípedes; depois Aristófanes, Lope de Vega, Shakespeare, Molière, Racine, Brecht, entre tantos outros, devorando tudo pela frente até saber da existência de outros três treatrólogos palmarenses além de Hermilo: Fenelon Barreto - patrono da Biblioteca -, Lelé Correia e Miguel Jassely. Parti para fazer cursos na Federação de Teatro Amador de Pernambuco (Feteape) e no Sesc, em Recife, assistindo peças no Teatro Santa Izabel, no Teatro do Parque, no Teatro Apolo, e comprando obras para formação do meu próprio acervo na legendária Livro 7. Aí, em 1975, a professora Jessiva me apresenta o Luiz Barreto, filho de Fenelon, que me dispõe umas vinte peças dele para leitura. Apaixonei-me de cara pelo texto do Náufrago do Mafalda e já decidido a fazer a minha primeira experiência na área, quando começamos a conversar, sob a orientação de Gildásio Santana e Heitor da Farmácia. Debates e mais debates, e entre as peças de Fenelon, escolhemos Adoração – uma tragédia que não só não morre o ponto porque sai correndo na hora. Fui voto vencido, não seria a vez da Mafalda. Mas caímos em campo e conseguimos reunir atores dispostos a encená-la conosco, como o casal Dudu & Leia, Guarino, Givanilton Mendes e Lúcia, também o amigo Luiz Gulú França dos Santos Braga, eu e o Barretinho na direção, e Zé Ripe e Célio Carneirinho na carpintaria cênica. Lugar pra ensaio? Conseguimos a Sala do Juri do Fórum, gentilmente cedida para ensaio às noites, pelo Promotor de Justiça, Laércio Duá de Castro Pacheco – que, também, era Diretor do Ginásio. Começamos os ensaios e tudo ia de vento em popa, músicas da trilha, marcação, cenário se vestindo, quando uma penca de irmãos do Barretinho, herdeiros de Fenelon, chegaram para obstar nossa apresentação, exigindo acertos prévios de direitos autorais. Conversa vai, conversa vem, valores aqui e ali, quando, ao final das longuíssimas conversas, capitaneadas pelo irmão do Barretinho, o também poeta Fernando Barreto, chegamos à conclusão da inviabilidade, vez que estávamos realizando teatro amador e não dispúnhamos de finanças suficientes para bancar a filharada herdeira. Fenelon e o seu teatro foram enterrados pela segunda vez. Meio que descabriado por ter que dissolver o grupo formado, nos reunimos todos pela última vez em frente do Teatro Cinema Apolo – o templo do teatro palmarense -, para decidirmos pela desistência do projeto. Enfim, fazer arte não é tão fácil quanto pensam. Ao nos despedir, estreitamos nossos laços de amizade e partimos cada qual para seus afazeres numa noite de desapontamento e insatisfação. Um dia Palmares poderá ter encenada as peças teatrais dos seus dramaturgos. E vamos aprumar a conversa! Veja mais aqui e aqui.


Imagem: Two Nude Women (1942), do pintor e escultor francês Jean Dubuffet (1901–1985),


Curtindo o álbum Por um pouco de veneno (BED/Tratore, 2014), com versões de canções do músico, compositor, instrumentista, cantor e ator estadunidense Tom Waits feitas pelo cantor, compositor e ator da cena underground brasileira, Carlos Careqa.

SOBRE O SER – A obra Sobre o ser, reúne fragmentos que restaram do pensamento do filósofo da escola eleática, poeta e político grego Melisso de Samos (470-444aC), defensor do pensamento de Parmênides e demonstrando que o todo é imóvel, entendendo que se ele se movesse, forçosamente haveria vazio e o vazio é um não ser. O filósofo e matemático grego Simplício da Cilícia (490-560), reuniu alguns dos fragmentos do poema Sobre ser, destacando os trechos: Sempre era o que era e sempre será. Pois, se tivesse vindo a ser, necessariamente nada seria, antes de vir a ser. Por conseguinte, se nada fosse, de modo algum algo viria a ser de nada. [...] Uma vez, portanto, que não veio a ser, é, sempre era e sempre será e não tem princípio, nem termo, mas é infinito. Pois, se tivesse vindo a ser, teria principio (pois vindo a ser, teria principiado) e termo (pois, teria terminado, se tivesse vindo a ser); mas , uma vez que nem principiou, nem terminou, sempre era, sempre será e não tem princípio, nem temo; pois não é exequível ser sempre o que não totalmente é. [...] Mas, tal como sempre é, assim também em grandeza é necessário que sempre seja infinito. Nada que tem princípio e termo é eterno ou infinito. Se não fosse um, teria um limite com outro. Se fosse infinito, seria um; pois se fossem dois, não poderiam ser infinitos, mas teriam limites um com outro. Veja mais aqui.

A RAINHA E O ASSASSINO – No livro Italian folktales (Pantheon, 1980), do escritor italiano Italo Calvino (1923-1985), encontro a história A rainha e o assassino, a qual transcrevo a seguir: Num palácio vivia uma linda princesa e seu pai, o rei. Mas ele era avaro e a mantinha presa numa torre para não lhe permitir casar-se, conservando assim seu dote. Certo dia, chegou na cidade um assassino que ficou sabendo da sina da princesa. Curioso, uma noite ele subiu até a torre onde estava a princesa e olhou-a por uma fresta. Ela gritou por socorro. Quando os servos e guardas enfim chegaram, o sujeito já havia sumido, e por isso ninguém acreditou em sua história de invasor. [...] Na noite seguinte, a princesa trancou a janela com uma corrente, assim ela só se abria um pouco, e pegou uma faca na cozinha. Depois, esperou em seu quarto. Quando estava escuro, o ladrão escalou a torre e, enfiando a mão por baixo da janeira, tentou abri-la. Naquele mesmo instante, a princesa pegou a faca e cortou a mão do homem [...] Todos então tiveram de admitir que ela estivera certa o tempo todo, e o rei teve de levá-la para outro aposento. Algum tempo depois, um rapaz foi até o palácio. Ele usava luvas brancas e ricas vestimentas, e disse que era um nobre de terra estrangeira em busca de uma esposa [...] A princesa sentiu-se inquieta. “Vossa Majestade”, ela sussurrou ao pai, “acho que ele é o homem cuja mão eu decepei”. “Não seja tola”, exclamou o rei. “Você deve casar-se com ele!” [...] Viajaram durante algum tempo, e cada vez penetravam mais na mata. A princesa começou a sentir medo e perguntou aonde estavam indo. “Tira minha luva”, o marido respondeu, erguendo a mão direita no ar. Ela obedeceu e descobriu o coto. Soltou um grupo, pois seus piores temores tinham se confirmado. [...] O homem explicou que seu trabalho era matar, e aquela casa estava cheia dos tesouros de suas vítimas. Então, deu uma risada sarcástica, acorrentou a princesa a uma árvore, como se ela fosse um cachorro, e partiu [...] Ao longe viu quando um navio içava suas velas e partia, e acenou desesperada em sua direção. Os marujos, mercadores de algodão, viram-na, vieram para terra firme e soltaram-na. Ela lhes mostrou os tesouros da casa do vilão, e eles então carregaram toda a riqueza para seu barco, levaram a princesa com eles e partiram mar afora. O assassino voltou e viu que tanto sua esposa como seu tesouro tinham sumido. Avistou o navio, saltou para dentro do seu próprio barxo e rapidamente alcançou os mercadores. Quando o assassino estava perto, os mercadores esconderam a princesa dentro de seus fardos de algodão. [...] O vilão voltou ao seu próprio barco e foi no encalço de outro navio [...] A princesa passou então a viver com o velho marinheiro e sua esposa. Com receio do assassino, recusava-se a sair de casa e pediu-lhes que não a deixassem ser vista. A princesa começou a bordar com a velha e terminou uma toalha de mesa. Era tão linda que a mulher quis leva-la para vender ao rei do seu país, que era um homem jovem. O rei solteiro ficou muito admirado quando viu aquela toalha. “Quem fez isso?”, ele perguntou. “Minha filha”. [...] os dois se casaram numa cerimonia secreta; a partir de então, a rainha permaneceu reclusa no palácio. Os súditos do rei estavam descontentes por não poder ver sua nova rainha, e logo começaram a circular rumores [...] No dia marcado, o reino inteiro reuniu-se para ver a rainha. Quando ela pisou no terraço do palácio, todos festejaram ao ver sua beleza. Mas o que a rainha em particular observou foi um homem vestido de preto, em pé no meio da multidão. Ele ergueu a mão direita, tirou a luva e mostrou seu coto. A rainha desmaiou. Ficou doente, e daquele dia em diante não saiu mais do quarto. Os médicos tentaram de tudo, entretanto nada diminuía seu padecimento. Alguns dias depois, um nobre desconhecido pediu uma audiência ao rei. Estava ricamente vestido e falava muito bem, de modo que o rei convidou-o para um banquete. O forasteiro trouxe de presente muitas caixas de um vinho finíssimo que o rei distribuiu fartamente a todos os cortesãos. O vinho continha um sonífero, e logo o monarca, os seus servos e os guardas estavam dormindo. Então o forasteiro, que não era outro senão o assassino, percorreu o palácio, quarto por quarto, em busca da rainha. Finalmente a encontrou. “Vim para mata-la” [...] “E agora”, sibilou o vilão, “prepare-se para morrer!” Ele levantou a espada, mas, no mesmo instante, ela pegou a pistola e disparou contra ele. O som despertou todos os convivas que então vieram correndo até o quarto da rainha. O rei chegou e encontrou o assassino morto, aos pés da sua esposa. Ali, no entanto, estava a rainha ereta e serena, e daí em diante não soube mais o que era medo, e ela e o rei viveram o restante de seus dias felizes e em paz. Veja mais aqui, aqui e aqui.

A PASSAGEM DA NOITE & OUTROS POEMAS – No livro Selected Poems (1985-2000 / Quando o mundo não é nosso lar, 2009), do poeta e escritora infantil estadunidense Susan Musgrave, destaco os poemas selecionados na tradução de Juju Campbell (Quingumbo, 1980), entre eles A passagem da noite: Aqui vem ela / de dentro d’água / reunindo veneno; / negligentemente / para o alimento dos / diferentes peixes. / Árvores enraízam-se em seus / tornozelos trazidos de cada vento. / Ela é a senhora das urtigas. / Arrancando os olhos no / escuro para encontrar o sangue / a correr selvagem com as facas; / ela é a Deusa do espinho. / E há mais ainda. Noite após / noite ela insone vai / apertada de mão em mão / aterrorizada e acordando / sem me encontrar, aterrorizada / de que eu a exclua / da escuridão / ou que a deixe para acabar / o frio, sozinha / Mas estamos mortos juntos — / posso ouvi-la respirando na pedra, / a respiração da morte, putrefata, / que me cavalga para fora / da escura e relutante espuma / de braços dados com o mar. / Assim, passo a noite, / enquanto ela em sua última dança pelada / vibra em seus olhos / o peso das marés / e espreita em minha sombra / prometendo o que ela mata. Também o poema No estreito de Nootka: Ao longo do rio / árvores espraiam-se / como feiticeiras nuas / e escuras como as mulheres / que nunca aprenderam a amar um homem. / (Ao norte / uma mulher pode aprender / a viver com tristeza demais. / Encontrar qualquer coisa seria difícil.) / O rio está mal-assombrado / com melífluos olhos negros de / coelhos afogados — / você pesca procurando alguma coisa / por demais improvável / enquanto espera que aqueles / olhos mortos e finos / comecem a enxergar. / Por vezes ao longo do caminho / a água rebenta / e os índios têm que emendar o rio / após toda outra rede — / homens de olhos gordos como / os dos cães e corcundas que / se arremessem de encontro a peixes pétreos. / O que poderia ser uma só vida / (mas quem pode fingir toda a vida?) / é quando o solo torna-se frio / e a noite está tão quieta / que você não pode lembrar-se de / nada ter a ouvir, / você se perde / e, afora, distâncias adentro, / os últimos pássaros soluçam / negros e enormes / pelo mar abaixo. Por fim Rio Mackenzie-Norte: Cheios de escuridão / estamos já atrasados para esse rio. / Sombras seguem-nos por detrás / filtrando-se dentre a luz dos nossos olhos. / Cego está o rio e a ficar recusa-se. / Consumados em nossos silêncios / movemo-nos para uma longa e negra / milha arremessados a algum / vazio imenso como continentes só / dente e pedra. / Nosso único caçador não é o rio. / Uma chuva branca e lenta nos / arremessa contra o solo. / Lobos farejam-nos até fora de nossos ossos. / Os peixes de aborrecem e nadam embora. Para nós / nada mais há do que o medo. / E se movendo, / sempre se movendo, / do imo da noite, / ele vem. Veja mais aqui.

AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM TEATRAL – No livro O signo teatral: a semiologia aplicada à arte dramática (Globo, 1977), organizado por Luiz Arthur Nunes et al, encontro o ensaio As funções da linguagem teatral, do filósofo e teórico literário polonês Roman Ingarden (1893-1970), do qual destaco o trecho: [...] Antes de examinar mais de perto cada uma das funções exercidas pelas formas linguísticas no teatro, cumpre-nos, inicialmente, tomar consciência do fato de que o universo representado resulta da combinação de vários fatores. Com efeito, ele se compõe de três domínios diferentes que, do ponto de vista de seu modo de existência e de sua constituição, não passam de elementos bastante semelhantes de um mesmo universo, mas que devem necessariamente ser diferenciados do ponto de vista do fundamento referencial de sua representação e dos meios que a mesma utilizada. São respectivamente: 1 – realidades objetivas (objetos, seres humanos, processo) que são mostradas ao espectador pela atuação dos atores ou dos arranjos de cenografia, apelando unicamente à apercepção; 2 – realidades objetivas que acedem á representação por duas vias distintas: de um lado aparecem de uma maneira perceptível (como as da primeira rubrica), e de outro lado são representadas por intermédio da linguagem, na medida em que se fala delas em cena [...] 3 – realidades objetivas que só acedem á representação por intermédio da linguagem; não são mostradas em cena, se bem que façam parte do texto principal. [...] Essas três categorias de realidades representadas é que se ligam as diferentes funções das palavras realmente pronunciadas. [...] Em primeiro ligar, é preciso considerar a função de representação das realidades a que se referem, pelo seu sentido, pela sua significação, as palavras pronunciadas [...] A segunda função essencial das palavras pronunciadas é a de exprimir as experiências, os diferentes estados e processos psíquicos vividos pela personagem que está falando. [...] As palavras e frases pronunciadas pelas personagens da peça exercem, em terceiro lugar, a função de comunicação (Mitteilun): aquilo que o locutor está dizendo é comunicado a uma outra personagem, aquela a quem se endereçam tais palavras. [...] Os monólogos, cuja função teria também de ser considerada desse ponto de vista, constituem exceção a essa regra. [...] As quatro funções do discurso teatral que acabamos de especificar dizem respeito unicamente às palavras pronunciadas no interior do universo representado e visando esse universo. Contudo, não são estas as únicas funções da linguagem falada no teatro. É preciso não esquecer, com efeito, que o espetáculo é representado e concebido para um público, e que as palavras pronunciadas pelas personagens devem ainda preencher uma outra função (de um tipo diferente) junto a esse público. Percebemos aqui uma nova perspectiva de estudo que já tem sido, em muitas ocasiões, considerada pelos críticos. [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.

BIRD OF PARADISE – O filme Bird of Paradise (Ave do Paraíso, 1932), dirigido pelo cineasta estadunidense de ascendência húngara King Vidor (1894-1982), com música de Max Steiner e roteiro de Wells Root, Leonard Praskins e Wanda Tuchock, contando a história de um naufrágio nas costas da Polinésia, no qual um jovem rapaz é salvo por uma nativa. Desse salvamento ambos se apaixonam, sendo o romance interrompido pela erupção de um vulcão. Para acalmar a fúria dos deuses, o costume tribal é sacrificar uma jovem e a escolhida é exatamente a apaixonada que com o seu amor tentam escapar da maldição do sacrifício. O destaque do filme é para a fascinante e lindamente invejada atriz mexicana de belíssima voz, culta e de vigorosa personalidade Dolores del Río (1905-1983), precursora do uso de maiô de duas peças no cinema. Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA 

Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do programa Crônica de Amor, a partir das 21hs, no blog do Projeto MCLAM, com a apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Para conferir online acesse aqui.

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