O TOCO DO BARNABÉ - Meus diletos amigos e amigas, temo não ter morrido do coração
ou acometido de alguma sequela braba que venha me estuporar depois. Sabem, esta
semana tive que buscar de instituição pública para resolver algumas pendências.
Patético, pois é, para quem precisa, tudo é demorado. E isso me deixa mais a
contragosto que o razoável. Vou começar a remoeta. O expediente começa às oito,
e às sete você já está lá no fim da fila. Quando escancaram os portões, o
vigilante ainda sai escolhendo quem entra primeiro, claro, o que já ganhou sua
simpatia ($$$). Quando entra, ninguém, só os birôs. Nunca vi raça andar mais
atrasada que essa. Ao chegarem aos poucos, manzanza, pacutia, conversam uns com
os outros, soltam pilhérias, jogam confete, fazem mangação, tudo isso sem olhar
ao redor o enfileiramento abundante. E o comentário entre eles, cada qual
provando profundos conhecimentos de assíduo telespectador das telelágrimas e
enlatados televisivos. - Você viu o capítulo da novela de ontem? E o Ratinho? O
vestido da Hebe estava lindo! Notou que o Sílvio Santos está mais velho, mulher?
E a bomba: o Gugu vai casar! Ui! Ah, mas o pior de tudo é a espera, mas nunca
ali onde será atendido, terá obviamente de enfrentar outra fila e novas mungangas.
O atendimento público de qualquer instituição governamental é de dar nos
nervos, tudo na escora enquanto a gente seca os cambitos. Quem nunca teve de
deitar um molha-mão a um desses insensíveis birozados, que se valem da
burocracia sistêmica para ampliar ainda mais as dificuldades? Parece acertado o
que disse Angélica de Moraes: herdeiros
da mentalidade nascida com a monocultura extrativista e predatória da urgência
de lucro. Ou como inquiriu Marcio Marciano: o dinheiro é o pai de todas as medidas? Olhem, quando há
necessidade de algo no Detran, me dá logo impaciência; delegacia, urticária;
prefeitura, náuseas; banco oficial? E a Caixa Econômica em dia de pagamento de
aposentado? É covardia! Escola pública? Nunca que vi tanta gente
contraproducente junta! A turma da roda-presa está lá: encastelados, donos da
situação e botando empecilho até para responder qualquer informação, enquanto a
gente fica no coarador com a maior cara de tacho. Dá vontade de baixar o calão.
O carne de pescoço faz até careta para apontar que é ali do outro lado, se
livrando logo da nossa impertinência e tratando a gente como uma mala sem alça
ou uma mercadoria sem nota. O negócio é tão sério que ouso perguntar a quem
sempre viaja, nunca teve de soltar um toco a um patrulheiro rodoviário (no Rio
Grande do Norte tem parada obrigatória para se utilizar deste expediente
compulsório); quem, no comércio, nunca deu uma bola a um fiscal de renda? Quem
nunca precisou de qualquer certidão da justiça e não teve que oferecer propina
para atalhar os óbices? Quem ingressou numa junta trabalhista e não ficou por
anos esperando um despacho porque a classe patronal soltou gorjeta pra todo
mundo ali? Esse é o quadro "saudável" da nossa instituição pública,
enquanto as nossas tensões e anseios são banalizados. Mas o pior foi que
precisei de ir na prefeitura. Lá, na hora, dei de cara com um Bolinha que fica
no atendimento que faz de tudo, menos atender, aboletado na sua mesona
limpíssima, arrodeado por requerentes impacientes, nem aí. Enquanto isso ele
fiscaliza se as unhas estão limpas, sopra na palma da mão verificando o teor da
halitose, troca de meias (!?!?!), folheia jornal, aponta lápis, penteia o
cabelo, alisa a mesa, impassível, num levanta nem o olho para ver a cara da
gente transida. É só você pegar um real, ele olha de soslaio, inerte; cinco
reais, ele franze o cenho; dez, ar de desconfiado; 50, ele arregaça a manga,
ajeita o colarinho, tosse; 100, ele mete a mão e procura saber qual é a bronca.
Pronto! Abriu-se a porta do céu. Tem nada não, é assim que o serviço público
brasileiro trata o povo com letargia e quando entra um rico ali, tremem nas
bases e se engasgam de um abalo estrondoso de dilatar a escala Richter pra mais
de 10. É uma babaovice nojenta. Os barnabés do retrocesso ainda sentam nos
birôs cultuando a incompetência no serviço público, isso ainda hoje,
perenizando a fealdade das condutas escusas. Veja mais aqui e aqui.
Imagem: Garden nude, da artista plástica Anna Rose Bain.
Curtindo o álbum Cata Vento (2009), do violonista Felipe Coelho – Prêmio Circuito Funarte
2010. Veja mais aqui.
EPÍGRAFE – O
sábio encontra a sabedoria em todas as coisas, até mesmo na conversa de uma
criança; mas o tolo vê a sua própria imagem em todo lugar, frase atribuída ao
célbre escritor teosófico do Sem-conceito alemão, Franz Hartmann (1838-1913). Veja mais aqui.
O
LEITOR E O NAVEGADOR – A
obra Aventura do livro – do leitor ao
navegador (Unesp/Imesp, 1999), do historiador francês Roger Chartier, trata sobre temas que envolve autoria com relação à
punição e proteção, o texto e o editor, o leitor e as limitações da liberdade,
a leitura em relação à falta e o excesso, a biblioteca entre reunir e
dispersar, o numérico como sonho de universal, entre outros assuntos. Do livro
destaco o trecho: [...] O leitor da tela
assemelha-se ao letor da antiguidade: o texto que ele lê corre diante dos seus
olhos; é claro, ele não flui tal como o texto de um livro em rolo, que era
preciso desdobrar horizontalmente, já que agora ele corre verticalmente. De um
lado, ele é como o leitor medieval ou o leitor do livro impresso, que pode
utilizar referências como a paginação, o índice, o recorte do texto. Ele é
simultaneamente esses dois leitores. Ao mesmo tempo, é mais livre. O texto
eletrônico lhe permite maior distancia com relação ao escrito. Nesse sentido, a
tela aparece como ponto de chegada do movimento que separou o texto do corpo. O
leitor do livro em forma de códex coloca-o diante de si sobre uma mesa, vira
suas páginas ou então o segura quando o forno Oriente, permanece mais familiar
uma ligação forte entre texto e imagem, gravados sobre o mesmo suporte. Esta
técnica, além do vinculo mantido com o texto manuscrito, apresentava notáveis
vantagens: ela permitia uma espécie de edução conforme a demanda, já que as
tábuas, de uma resistência duradoura, podiam ser conservadas por muito tempo,
enquanto as composições tipográficas deviam ser desfeitas a fim de utilizar os
caracteres para compor outras formas. Não se deve portanto julgar as técnicas
não ocidentais a partir de nossa suposta superioridade técnica. [...]. Veja
mais aqui.
CAIM,
CAIM E O RESTO – No livro
Belazarte (1934), do escritor Mario de Andrade (1893-1945), encontro
o conto Caim, Caim e o resto, do qual destaco o trecho: Belazarte
me contou: Talvez ninguém
reparasse, nem eles mesmo, porém foi sim, foi depois daquela noite, que os dois
começaram brigando por um nada. Dois manos brigando desse jeito, onde se viu! E
dantes tão amigos... Pois foi naquela noite. Sentados um a par do outro,
olhavam a quermesse. O leilão estava engraçado. O Sadresky dera três milréis
por um cravo da Flora, êta mulatinha esperta! Também com cada olhão de
jabuticaba rachada, branco e preto luzindo melado, ver suco de jabuticaba
mesmo... onde estará ela agora? até com seu doutor Cerquinho!... — Você foi
pagar a conta pra ele, Aldo? — Já. Contemplavam o povo entrançado no largo.
Seguiam um, seguiam outro, pensando só com os olhos. Nem trocavam palavra, não
era preciso mais: se conheciam bem por dentro. De repente viraram-se um pro
outro como pra espiar onde que o mano olhava. Aldo fixou Tino. Tino não quis
retirar primeiro os olhos. Olho que não pestaneja cansa logo, fica ardendo que
nem com areia e pega a relampear. Quatro fuzis, meu caro, quatro fuzis de
raiva. Nem raiva, era ódio já. Aldo fez assim um jeito de muxoxo pro magricela
do irmão, riu com desprezo. Tino arreganhou o focinho como gato assanhado. Se
separaram. Aldo foi falar com uns rapazes, Tino foi falar com outros. As
vinte-e-duas horas tudo se acabava mesmo... voltaram pra casa. Mas cada qual
vinha numa calçada. Braço a torcer é que nenhum não dava, não vê! Dentro do
quarto brigaram. Por um nadinha, questão de roupa na guarda da cama. Dona Maria
veio saber o que era aquilo espantada. Foi uma discussão temível. Da discussão
aos murros não levou três dias. E por quê? Ninguém sabia. A verdade é que a
vida mudou pra aqueles três. Inútil a mãe chorar, se lamentar, até insultando
os filhos. Quê! nem si o defunto marido estivesse inda vivo!... Pegou fogo e a
vida antiga não voltava mais. E dantes tão irmãos um do outro!... Aldo até
protegia Tino que era enfezado, cor escura. Herdara o brasileiro do pai, aquela
cor caínha que não dava nada de si e uns musculinhos que nem o trabalho vivo de
pedreiro consertava. Quando tirava fora a camisa pra se lavar no sábado, qual!
mesmo de camisa e paletó, as espáduas pousavam sobre o dorso curvo como duas
asas fechadas. E era mesmo um anjo o Tino, tão quietinho! humilde, talhado pra
sacristão. Cantava com voz fraca muito bonita, principalmente a Mamma mia num napolitano duvidoso de
bairro da Lapa. Quando depois da janta, fazendo algum trabalhinho, lá dentro
ele cantava, Aldo junto da janela sentia-se orgulhoso si algum passante parava
escutando. Si o tal não parava, Aldo punha este pensamento na cachola: “Esse
não gosta de música... estúpido.” Que alguém não apreciasse a voz do Tino, isso
Aldo não podia pensar porque adorava o mano. Era bem forte, puxara mais a mãe
que o pai. Só que a gordura materna se transformava em músculos no corpo
vermelho dele. Pois então, percebendo que os outros abusavam do Tino, não
deixava mais que o irmão se empregasse isolado, estavam sempre juntos na
construção da mesma casa. Ganhavam bem. Naquela casinha do bairro da Lapa, a
vida era de paraíso. Dona Maria lavava o que não dava o dia. O defunto marido,
uma pena morrer tão cedo! fora assinzinho... Homem, até fora bom, porque isso
de beber no sábado, quem que não bebe!... Paciência, lavando também se ganha.
Além disso, logo os filhos tão bonzinhos principiaram trabalhando. Si a Lina
fosse viva... que bonita!... Felizmente os filhos a consolavam. Lhe entregavam
todo o dinheiro ganho. Gente pobre e assim é raro. [...]. Veja mais aqui,
aqui, aqui, aqui e aqui.
SOU
PUTA – Entre os poemas
da renomada A renomada tradutora e professora carioca Helena FerreiraMordo no final do beijo / Não fico
reprimindo desejo / E nem me escondo na aparência de menina. / Sou uma puta de
primeira / Acordo às 6:30 / Pego ônibus debaixo de chuva / Não dependo de
salário de macho / E compro a pílula no final do mês. / Sou uma puta com P
maiúsculo / Dispenso o compromisso / Opto pela independência / Não morro de
amor/ Acordo sozinha / Cresço sozinha / Vivo na minha / Bebo em um bar de
esquina / Vomito no chão da cozinha. / Sou uma putinha / Passo a noite em seus
braços / Mas não me prendo no laço / Que você quer me prender. / Sou puta / Você
tem o meu corpo / Porque eu quis te dar / E quando essa noite acabar / Eu não
vou te pertencer/ E se de mim você falar / Eu não vou me importar / Porque um
homem que não me faz gozar / Nunca terá meu endereço. / E não é gozo de boceta /
É gozo de alma / É gozo de vida / É me fazer sentir amada / Valorizada / E
merecida / E se de puta você me chamar / Eu vou agradecer./ Porque a puta aqui
foi criada / Por uma puta brasileira / Que ralava pra sustentar os filhos / E
sofria de racismo na feira/ Foi espancada e desmerecida / E mesmo sofrida / Sorria
o dia inteiro / Uma puta mulher ela foi/ E puta também eu quero ser. / Porque
ser mulher independente / Resolvida / Segura/ Divertida / Colorida / E
verdadeira / Assusta os homens/ E os machos / Faz acontecer um alvoroço./ Onde
já se viu mulher com voz? / Tem que ser prendada e educada/ E se por acaso for
"amada" / Tem direito de ser morta pelo parceiro / Cachorra adestrada
pelo povo brasileiro / Sai pelada na revista / Excita / Dança / Bate uma/ Cai
de boca / Mama ele e os amigos / E depois vai ser encontrada num bueiro/ Num
beco/ Estuprada / Porque tava de batom vermelho / Tava pedindo / Foi merecido/ E
se foi crime "passional"/ Pobre do rapaz / Apaixonado estragou a
própria vida. / Por isso que eu sou puta/ Porque sou forte/ Sou guerreira/ Não
sou reprimida/ Nem calada / Sou feminista / Sou revoltada/ Indignada / E sou
rotulada assim / Como PUTA! / Então que eu seja puta / E não menos do que isso.
Veja mais aqui.
O GATO PRETO – Em 2002,
tive oportunidade assistir no Teatro da Usp (TUSP), em São Paulo, à montagem da
comédia musical O Gato Preto, com textos de Frigyes Karinthy. Konrad Tom e
Maisa Aché, direção de Circo Grafitti, inspirada em textos e canções do gênero
cabaré, narrando os últimos momentos de duas personagens famosas: Joana D’Arc e
Margherite de A dama das camélias. O destaque do espetáculo ficou por conta da
atriz Rosi Campos. Veja mais aqui.
BEM
ME QUER, MAL ME QUER – O drama psicológico Bem me quer, mal me quer (À la folie ... pas du
tout, 2002), dirigida por Laetitia
Colombani, conta a historia de uma erotomania de uma jovem estudante de
arte que trabalha num café e que se apaixona por um médico casado que é vizinho
a um trabalho que ela realiza em casas de família de férias. Toda uma história
é desenvolvida por uma questão de abandono por parte dele, que além de casado,
causa revolta nela e noutras pessoas. A partir daí o filme é rebobinado e a
mesma história é contada sob outro ângulo, o que causa grande surpresa no
expectador. O destaque do filme vai para atuação da atriz e modelo francesa Audrey Tautou. Veja mais aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
Todo dia é dia da atriz e modelo francesa
Audrey Tautou
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A mulher que escreveu a Bíblia, Erich Fromm, Moacyr Scliar, Menotti Del Picchia, Rimsky-Korsakov, Akira
Kurosawa & Jean-Hippolyte Flandrin aqui.
Alexander
Scriabin, Arquitas de Tarento, Artur Azevedo, Francisco Quevedo, Adrian Lyne, Richard Stainthorp, Glenn Close, Charles
Knight, Renata
Zhaneta &
Clevane Pessoa de Araújo
Lopes aqui.
CRÔNICA
DE AMOR POR ELA
Imagem: fotografia de Albert Arthur Allen