A BICHARADA DA ENROLAÇÃO - Gente,
num era pra isso não, mas já estou me acostumando: dia sim, dia não, outro sim,
outro não e depois sim espoca uma saraivada de broncas que, depois de meio
mundo de denúncia, a torto e a direito, maior buruçu dos infernos de quase
chegar a entender que este é o país da presepada, pois o que a gente vai vendo
do remexido nos escândalos na tv, todo santo dia, só deixa ou de queixo caído
ou, o pior, se acostumando que a coisa não tem mesmo jeito. Verdade!
A coisa sempre bota pra feder como se fosse apenas um peido que catinga como a
praga, mas só tem casacudo perfumadíssimo no meio, aí, como sempre, lá vem o
enterro voltando com um mundiça que dá em quadrilhas que andam fraudando, ou
surrupiando, ou engalobando, ou pintando o sete no arrepio da lei. Ora,
lei é o que mais tem aqui! Tanta mesmo, da gente já de todo abiscoitado da
confusão, sair perguntando: pra quê tanta lei meu Deus, apesar da compulsoriedade,
jamais será cumprida. Pois
é, mas todo dia flagram fraudes, surrupiados, engalobações e afanações de todo
tipo. E quando flagram as coisas no Brasil é de se cantar "Aleluia",
pois todo mundo já estava careca de saber de tudo e não via nenhuma providência
de autoridade alguma. Quando
inventam de apurar, a coisa sai estampada nas tvs, rádios e jornais, maior
embucentamento e cascaviado macho de gabinetólogo aparecer dando resposta de
instante em instante para dizer que agora vai. E parece mesmo: agora vai! Santa
credulidade essa nossa, hem? Agora
encontrar o nome dos envolvidos é que é ela. Alguém sabe? Alguém viu? Ah, sim,
sai uma lista de cara sendo preso pela Polícia Federal, autuado, indiciado e,
pelo jeito, parece mais que lascado pro resto da vida. Maior boi de fogo. Três
dias depois, tudo esquecido, os caras tudo soltos, o inquérito quando não cheio
de falhas, emperra, quase desanda, mas vai pra justiça assim mesmo se
arrastando até quando se der fé de que nada vai pra frente ou passa a limpo por
aqui. Se
fosse eu, ôxe, já estava no opróbrio popular e trancafiado. Mas como aqui a
lei, a polícia e a cadeia são somente para cachorro-do-rabo-fino, os casacudos
caga-raios e os de cima da lei e do governo estão nas benesses de pertencer ao
reino dos céus. Porque, gente, o que tem de nego graúdo no meio das trapalhadas
todas que desarrumam esse Brasil, ôxe, é tanto que escapa pelo ladrão. Se
tiver um sujeitinho de tope menor, ah, vai logo pro cadafalso não passando
mesmo de mero bode expiatório. Pois é. Mesmo
com todo esse alarido de moralidade assim de veneta, a incredulidade é tanta
que a gente até acha graça. E que não é nada engraçado, mas não tem de ser de
outra forma, afinal tudo vira piada da maior sem-graceza. Até
agora, justiça só serve mesmo para ladrão de galinha esfomeado, ou melhor, para
pé-rapado. Os outros, ah, esses compram qualquer conivência, vez que o negócio
da trapaça já está tão enraizado na índole do brasileiro, que até,
preconceituosamente, os racionais - será mesmo? - acham de nomear os
irracionais nas suas estripulias. Não sabiam? Verdade. Fraude mesmo tem uma
representação no reino dos animais: gato por lebre, que significa: passar
rasteira nos bestas. E a manchete, com isso, bem que podia ser assim: raposa
passa gato por lebre no leão. Nossa, seria mais sintomática, porque o que se
descobre de falcatrua que não dá em nada, já deu pro gasto e hoje não tem mais
graça. Tanto
que o brasileiro que sempre gostou de sapecar manganção no bicho - a meu ver, o
verdadeiro bicho é o homem porque é o mais esquisito! -, é afeito a um joguinho
de azar na águia, no pavão, isso do primeiro ao quinto, com centena, dezena ou
milhar, ou seca na cabeça. E tem das suas: arruma gato na energia, jacaré na
água, macaco na nota, isso tudo para burlar o abestalhado desavisado, pois, pra
quem não sabe, chapéu de otário é marreta. É
o jeitinho cordial de se livrar das mazelas. Se não dá certo, paga mico; se for
flagrado, vira avestruz; não ensina a ninguém o pulo do gato, tá doido? E
quando o negócio enfeia, cada macaco no seu galho, pt já era e saudações. Mas tudo isso está no anedotário popular e, quase sempre, são coisas de pouca
monta. A bronca mesmo é com os tubarões. Ah, esses ninguém mexe, claro, tem
dinheiro no banco - mesmo que o banco nem queira saber de onde vem o dinheiro
mais sujo que se possa imaginar -; tem posse e é todo pavoneado com uma penca
de cheleléu servil, tudo uns baba-ovos e lambecus, e isso no judiciário, no
executivo e no legislativo. O
poderoso que arrota feito trovão também tem mugido maior que boi ferrado;
quando mexe no que é seu - que normalmente é tomado à força dos outros -, dá
mais latido que cão esfomeado; isso sem contar com a sabedoria e astúcia dos
símios mais aparentados como o de tirar proveito em qualquer circunstância de
flagrante prejuízo. E mais: sem contar com a boquinha que todo passarinho
caboeta traz para facilitar as entradas e saídas de verbas mais escusas. Isso
será que tem jeito? Avalie. É,
muita roubalheira macha, me dá até a idéia de que fraudulência tem a ver com
flatulências: umas fedem, mas passam; outras saem tão furtivamente que nem a
gente mesmo sente que largou o peidorreiro. Pode? Parece que os caras ou tomam
perfume, ou se entopem com suco de graviola. Ta na hora da gente aprumar a conversa e tataritaritatá. Salve, salve esse
Brasil de todos nós e de ninguém! Bié, bié, glup, glup (Luiz Alberto Machado). Veja mais aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Assim
como a mão não pode soltar o objeto ardente sobre ela, que sua pele se funde e
se cola, a imagem, a ideia que nos torna loucos de dor, não pode arrancar-se da
alma, e todos os esforços e os rodeios da mente para desfazer-se delas a atraem
até elas. Extraído da antologia Mauvaises Pensées &
autres (Ruvages, 1942), do filósofo e poeta do Simbolismo
francês, Paul Valéry (1871-1945). Veja mais aqui, aqui e aqui.
GENEALOGIA DA MORAL – [...] algo existente, que de algum
modo chegou a se realizar, é sempre reinterpretado para novos fins, requisitado
de maneira nova, transformado e redirecionado para uma nova utilidade, por um
poder que lhe é superior, de que todo acontecimento do mundo orgânico é um
subjugar e assenhorear-se, e todo subjugar e assenhorear-se é uma nova
interpretação, um ajuste, no qual o “sentido” e a “finalidade” anteriores são
necessariamente obscurecidos e obliterados. [...]. Trecho extraído da obra Genealogia da moral: uma polêmica
(Companhia das Letras, 1998), do filósofo alemão Friedrich Nietzsche
(1844-1900). Veja mais aqui, aqui e aqui.
A VIOLÊNCIA E A SOCIEDADE – [...] A sociedade procura desviar para uma vítima relativamente indiferente,
uma vítima “sacrificável”, uma violência que talvez golpeasse seus próprios
membros, que ela pretende proteger a qualquer custo. Todas as qualidades que
tornam a violência terrificante – sua brutalidade cega, o absurdo de seus
rompantes – não existem sem contrapartida: elas são inseparáveis de sua
estranha tendência para arremessar-se sobre vítimas substitutas, o que permite
ludibriar esta inimiga e lançar-lhe, no momento oportuno, apresa derrisória que
irá satisfazê-la. [...]. Trecho extraído da obra Manicômios, prisões e
conventos (Perspectiva, 1974), do cientista social, antropólogo, sociologo e
escritor canadense Ervin Goffman
(1922-1982).
O CONHECIMENTO & A
TECNOLOGIA – [...] São três formas de lidar com uma mesma
matéria prima: o conhecimento. É através da educação que o ser humano, num
primeiro momento, obtem conhecimentos. Ainda através da educação, ele consegue
interpretar estes conhecimentos, analisá-los, julgá-los e enfim buscar e gerar
novos conhecimentos. No momento em que busca e cria conhecimentos,
sistematizando-os de alguma forma, passa a fazer ciência. Quando esta ciência é
aplicada ao dia-a-dia do ser humano e da sociedade em que ele vive, buscando
novas e mais interessantes formas de realizar suas tarefas, às vezes como novos
produtos ou mesmo novos materiais, temos a tecnologia. [...] Trecho
extraído de Educação, ciência e tecnologia (Unesco, 2004), de Antônio Bragança.
A HORA DOS ASSASSINOS – [...] Dá-lhe um nome feio: traição. Mas é justamente essa índole traiçoeira
do rebelde que o diferencia do resto do rebanho. É sempre traiçoeiro e
sacrílego, se não literalmente pelo menos em espírito. Comporta-se, no fundo,
como um traidor porque tem medo de sua própria humanidade, que o aproximaria de
seu semelhante. [...]. Trecho extraído da obra A hora dos assassinos: um
estudo sobre Rimbaud (L&PM, 2004), do escritor norte-americano Henry
Miller (1891-1980). Veja mais aqui, aqui e aqui.
A POESIA – [...] A
poesia não é dada ao poeta como uma verdade e uma certeza de que ele poderia
aproximar-se; ele não sabe se é poeta, mas tampouco sabe o que é a poesia, nem
mesmo se ela é; ela depende dele, de sua busca, dependência que, entretanto,
não o torna senhor do que busca mas torna-o incerto de si mesmo e como que
inexistente. [...]. Extraído
da obra O espaço literário (Rocco,
2011), do escritor, ensaísta, romancista e crítico literário Maurice Blanchot (1907-2003).
Veja mais Literatura de Cordel, Anita
Malfatti, Toninho Horta, Francis Ford Coppola, Anaxágoras de Clazómenas, A mãe
da Lua, Semiologia da Representação & Selmo Vasconcellos aqui.
E mais também Tavito, Angela Yvonne Davis,
Antonio Callado, Jane Fonda & Giovanni
Lanfranco aqui.
PS: Gente, no momento estou lendo o deliciosíssimo livro "No caroço do juá" do poeta pernambucano José Adalberto Ferreira. No meio da leitura flagrei esta preciosidade:
HÁ UM GRITO DE DOR ATRAVESSADO
NA GARGANTA DO POVO BRASILEIRO
José Adalberto Ferreira
A pobreza, sem dúvida, é a platéia
que, durante as campanhas, bate palma
pra quem diz: se eu ganhar, dou minha alma
mas é só se eleger, muda de idéia
no Brasil, se criou uma alcatéia
que conhece propina pelo cheiro
tem leão disfarçado de cordeiro
aliás, quase tudo é disfarçado
Há um grito de dor atravessado
na garganta do povo brasileiro.
Veja mais aqui.