domingo, março 13, 2016

ODISSEIA DE UM CURAU NO ORIENTE MÉDIO

ODISSEIA DE UM CURAU NO ORIENTE MÉDIO

Luiz Alberto Machado

A situação estava realmente de breu, quanta incerteza. A carestia se aliara ao que sazonalmente atacava a região: a entressafra canavieira. E ambas demoliam honras e famílias bem alicerçadas naquele fim de mundo. Já se previam dificuldades, não com tanta brutalidade, mas era assim toda vez que se aproximava o mês de março ou abril e, anualmente, já se revia o desastre, tudo devido a pejada das usinas de cana-de-açúcar que só retornavam à moagem depois da primeira quinzena de setembro ou início de outubro, quando da butada da cultura sucroalcooleira. A pejada doía por meses. O quadro era um só com mesma pintura, mesma tela, mesmas pinceladas. Mudavam os atores, as técnicas, políticas, no entanto, tudo se repetia ano a ano, numa sazonal miséria e ostentação.

Nos seis meses de vacas magras ocorria a invasão de boias frias proliferando favelas, saques a supermercados, violência grassando em nome de uma honra que se esfacelava numa peínha de nada, penúria absoluta e muita gente morrendo de inanição, quando não à bala a mando do poder econômico, ou mesmo sem ter o que comer, vez que a barriga vazia chamava diuturnamente por um crime. O comércio apreensivo e sem o burburinho do consumo avexado, angariava o cumprimento dos compromissos assumidos no palanque pelos políticos durante as eleições, promessa essa de que no ano seguinte não se repetiria tal calamidade. Piorava, eram toneladas de títulos abarrotando o cartório de protestos, enricando o tabelião que todo ano comprava um carro novo, uma fazenda a mais, um luxo demasiado. E era um verdadeiro sisifismo, a mesma ladainha, entrasse ou saísse ano.

Nos outros seis meses de produção, a abastança, muitas vezes, num dava nem para encher nem o buraco do dente por causa do acúmulo de prejuízos de anos anteriores, avolumados por juros escorchantes, dívidas impagáveis ou promessas não cumpridas. Só amortizava, tornava-se possível tapiar com qualquer troco e adimplir, pelo menos, um pedaço do volume gigantesco do empenhamento. Quando não, era tudo arrestado dos produtores que se metiam a cavalo do cão, comprando disso, fazendo daquilo, arrotando empáfia e pezunhando tudo. Pagar que era bom, ficava tudo preterido para a próxima safra que, nas previsões mais otimistas, seria um estouro. Contavam, então, com o ovo no cu da galinha, somente constatando, pois, ao contrário do que se esperava, no ano seguinte porque a safra mais encurtava, a produtividade caía vertiginosamente e os incidentes se avolumavam virando inquéritos policiais, atendimentos hospitalares emergenciais e uma bancarrota generalizada.

Ademais, com a chegada do inverno a partir de maio, o rio abandonava suas margens e invadia o chororô da população na maior escarduçada, formando uma realidade lacrimejante, misturando poluição pluvial com a nojeira e excrementos de pobreza braba. Dos morros desciam caudalosas enxurradas misturadas a detritos mil, formando uma enchente sem precedentes na localidade. Futuro, então, haver, não havia. Um coro de estornados sem ter para onde ir e a céu aberto.

- Para que tantos caminhos se não se tem para onde ir? Ou calça de veludo ou bunda de fora! -, era Góis, coçando o saco em plena flor da idade, com as mãos abanando e sentado num dos degraus da casa do cunhado, observando a festa dos vizinhos no meio do aguaceiro que tomava conta da rua, do bairro e adjacências. Estava ali sem nada que fazer. Desempregado. Já havia procurado quantos empregos possíveis, inúmeros solados de sapatos, sandálias e chinelos gastos, tudo em vão, não havia vagas, não havia esperança de ser um homem com agá maiúsculo, decente, honrado, feliz. Não tinha formação suficiente para empregos decentes, muito menos pudera estudar. Ou trabalhava, ou estudava. Não deu pra ir para escola, tinha que ajudar o sustento da família.

Enquanto a tempestade caía, ele planejava um futuro longínquo, repassando na memória imagens boas e ingratas, tristes e revoltantes, lembranças indesejáveis. Seu pensamento se refletia na poça d'água que agora se encontrava de forma gigantesca à sua frente, lambendo os degraus da residência. Momento difícil aquele. Estava apertado que só porco no caçuá, se autoflagelando como se fosse um filho da doença mais pestilenta que houvesse, quebrado na solda sem nem mesmo poder ser levado para o torno para dar um passo e ficar no grau, nada.

Valei-me, Nossa Senhora !
Que o tempo tá de fumaça
Os homens não tem dinheiro
E as mulheres não dão de graça
E se tiver achando ruim
Bote sua irmã na praça!

Um ou outro transeunte chapinhava ao atravessar a rua alagada. Ele ali fiscalizava tudo, até as intimidades das moças molhadas, vestido colado no corpo, tudo transparente entregando gratuitamente as formas para os presentes olheiros. Ou era a mangação quando algum velho escorregava da tampa da bueira entupida.

- Virgem, que aquele estrupiou o espinhaço! –, acudia ele. E os garotos faziam uma verdadeira festa, mergulhando nas águas da enchente como se fora o mais aprazível dos rios. Enquanto isso, ali, sentado, quieto, Góis repassava seus queixumes na cabeça inquieta, detestando a lembrança da zombaria que faziam dele, principalmente seus familiares, se referindo a ele como sendo um forte, robusto, sadio e inútil, incapaz de se ocupar em alguma coisa, ninguém entendendo a sua luta buscando ocupação nos diversos estabelecimentos comerciais da localidade, aos parques industriais da redondeza e até da capital e de outros estados. Só faziam recriminá-lo acrescentando já a fadiga das buscas infrutíferas, intolerantes, inexoráveis. Ignoravam sua ânsia por um salário certinho no final do mês para não precisar nem mendigar aos seus uma quantia qualquer para suas necessidades; desconheciam seu vigor para conseguir colocação e, assim, colaborar nas despesas da casa. O que seria aquilo? Um pacto do diabo deixando-o escanteado dos empregos sempre lotados, sempre não havendo vagas, só nas mãos de privilegiados, apaniguados, puta que o pariu, é uma perseguição filha da puta! Estudar mesmo, não tinha podido, ou trabalhava ou estudava, repisava isso. As duas, nunca. Não havia como conciliar a fadiga depois de um dia inteiro com insolação e ainda aguentar, de noite, baboseiras de um professor mal satisfeito, injuriado com tudo e implicando com o não discernimento dos alunos. Escola, para ele, era para sortudos, não para ele que era um extraviado da vida.

Vez por outra, se animava Góis quando ouvia de bocas outras menos indolentes que a indústria de lá longe dispensara muitos operários de uma só vez, acorrendo com a pressa dos desesperados até o setor administrativo da empresa, constatando que fora corte para contenção de despesas, porra! Não haveria reposição, puta merda! Ficaria ali, no pátio da recepção, humilhado, um fantoche.

- Pelas cinco bocetas de caralho! -, reclamara, afinal, sua palavra valer, não valia; sua opinião, ignorada. Lembrava dele próprio naquelas filas quilométricas, submetendo-se a concursos para preenchimento de uma única vaga com mais de dez mil candidatos. Sofria muito, principalmente quando duvidava que o escolhido seria aquele que tivesse um pistolão, um costas largas. Era ele, sabia disso, um joão-ninguém ajuntado aos outros estornados da vida, nas salas de jogo, nas coreias, nos bares, conversando mole sobre mulher gaieira, trambiques, futebol e a notícia da inflação do mês insuportável. Estes, os assuntos preferidos para uma discussão acalorada, cada qual com sua razão, acompanhados de uma pinga e baforadas espertas no cigarro.

- Quem não rouba, nem herda, tem merda! Deus me deu duas coisas: o dia para passar fome e a noite para dormir! – era ele no meio de uma verdadeira procela enxaguando remorsos e arrependimentos. Ele foi criando dentro de si um revolta incontida, de um motim sentimental carregado de reclamações ásperas sobre sua condição de vida.

- Já tô desenganado de lutar por esta gente, o bicho é atrevido, o bicho róba, o bicho mente! Eita! É do estopô-calango! -, repetia ele não avaliando o tom de sua sedição, denunciando aos ouvidos outros, a esculhambação por que passava o país, tendo de pagar planos de saúde por inoperância da previdência social, quando sua mãe, certo dia, precisou ser submetida a uma cirurgia e o instituto não cobriu-lhe as despesas. Noutra ocasião, discutindo numa mesa de bar, mencionou que estava obrigado a estudar em escola particular cara pela ineficácia da educação pública e reiterou, em discurso inflamado, que tinha de sustentar um bando de patetas no Congresso Nacional; outros tantos na Assembleia Legislativa e mais uns mirins da idade da pedra na Câmara de Vereadores; um bocado de gente sabida e incompetente que não defendia um mínimo dos interesses da comunidade desprotegida, a não ser os interesses deles próprios. Incitava todos com uma ira desenfreada de que todos tinham de sustentar milhares de funcionários públicos que além de atendê-lo com desdém se mostravam uns preguiçosos de tanta obesidade. E quando alguém falava de justiça, devido um crime praticado na esquina e nada fora apurado até aquele momento, esbravejava veementemente, que via o poder judiciário inerte, balofo e inoperante, apesar da contribuição dos impostos pela população, devendo tal poder atender a esta, designando juízes, ao contrário, juízes e promotores para atender as coisas dos ricos que lesam a justiça e o fisco; e que não se falasse de polícia, já que ela não protegia nada, inócua e incapaz de enfrentar gangs, máfias, malfeitores, quadrilhas organizadas, sicários astutos, ladrões espertos, muito bem mais equipados, pois que seus soldados faziam parte dessa escória violenta de malignos sociais.

- Confiar em quem ? Diga, confiar em quem? -, era a sua insistente indagação: – Para que serve então os impostos, os milhares de tributos? –, questionava no tom mais alto de sua ira, só amainando completamente embriagado no assoalho do primeiro andar da casa do cunhado. Bebum do cachorro lamber o seu focinho, arriado no primeiro lugar que encontrasse após uma queda. Estava ele, deveras, decepcionado com a sua própria vida.

A cachaça é filha única
Da desgraça e satanás
É  neta de Belzebu
Bisneta de Barrabás
Sobrinha do cão cotó
Esposa de Caifás!

Num liseu desgraçado e na esperança de um milagre, a qualquer momento, cair-lhe do céu, estava, o decente atabacado, dismilinguido, desajustado. E num é que um milagre aconteceu mesmo? Fora ele agraciado divinamente por intervenção do bom Cassiano, um seu vizinho, que entregou, de mão beijada, um recorte de jornal contendo o anúncio convocando voluntários para trabalhar no Oriente Médio. Cassiano acorrera em seu socorro naquela situação deplorável em que se encontrava. – E por que você não vai ? –, inquiriu Góis, desconfiando ser cascata. – É que vou trabalhar na Usina Sinimbu, em Alagoas, a partir de segunda-feira e pensei que você estivesse interessado em trabalhar no exterior, lá pros estrangeiros.

- E que firma é essa Oriente Médio ? Nunca ouvi falar ?

- Oriente Médio é os estrangeiros!

- Vôte! Só porque estou na última lona vocês querem me gozar?

- Não, rapaz, é emprego dos bons!

- Parece mais o caminho de Feira Nova! –, desconfiava ele de troça, embora Cassiano realmente pensara nele quando recortou o anúncio do jornal.

- É de mesmo! Se o cara quer moleza, vai para Canapi! Quer ter vizinho bom, vai para Pão de Açúcar! E se for homem, fique no Minador do Negrão!

Olhando direitinho, pensou Góis, era uma chance de se empregar. Alagoinhanduba não teria mais nada para ofertar ao desgraçado. Para quem andava com a meia cheia d'água com uma moeda dentro, ralo que só caldo de piaba, mais fraco que o caldo de biloca, não deixaria de ser uma oportunidade de desbancar os malfeitores dos familiares, iriam ver.

– E onde que droga que fica isso? Lá pras bandas da África, Ásia, sei lá, vê ai no mapa. Peraí, é pelas bandas da guerra do aiatolá, sei lá, dum tal Iraque, Irã, um lugar desse aí, isso é que é amigo, me tira daqui pra me meter na guerra! Vai ou não vai? Vai ou não vai? Pensou, pensou... era aquela a hora de dar a volta por cima e ficar logo rico no exterior; seria, concluía o abestalhado, um cara internacional, famoso, capaz de se tornar até artista de cinema, quem sabe? O que realmente ele sabia é que havia chegado a sua hora.

- Vai cara, tu chega sozinho e acaba aquela guerra de merda!

- É isso mesmo, os cara lá são todos uns frangalhos, não sabe da guerra da gente aqui para sobreviver.

- Guerra? Guerra é aqui! Bezerro enjeitado não escolhe teta!

O apaideguado recebera o maior incentivo da galera, empolgando-se e vertendo mais uma meiota de aguardente: - Se não trabalho e nem reconhecem meu valor na minha terrinha, vou fazer no estrangeiro um negócio da China! -, e nem pestanejou, passou sebo nas canelas e agarrou a situação pelos cabelos, embarcando solto num pau-de-arara rumo a Belo Horizonte onde se apresentou no guichê de emprego da Clemente Júnior, já empregado na função de servente de almoxarife nos acampamentos das estradas mineiras, mais precisamente na cidade de Congonhas do Campo. Que felicidade do distinto! Para quem nunca saíra da província nem sequer havia trabalhado fora das serventias mais esdrúxulas da cidade natal, debater-se com uma cidade bonita danada como aquela, era de encher os olhos d'água. E chorava à noitinha, sozinho, de agradecimento pela oportunidade ímpar que tivera. Chorava de saudades, de alegria, desmedidamente. Não fora uma noite longa, a primeira, pois que cansado da viajada dormira logo. No dia seguinte enrabichou-se com uma mineira, uai, de ficar apaixonado: - Eita, mulé quente da porra! Era, a danada fodia demais do cabra quase pedir arrego! E já no dia seguinte ele atrasou-se pro encontro com ela, flagrou logo que estava levando duas de quinhentos: ela já tinha perdido a caçola com outro, enfincada num caralhudo de se ocupar ali levando rola no rabo e dela chega gemer de gozar pelo cu e pedir mais, e de se ajeitar todinha pra levar a macaca na buceta e vê-la gritar com orgasmos infindos e, quando ele deu fé, a mulher já tinha gozado umas trezentas vezes e já chupava a pica do cara como nunca e se deliciando batendo uma siriquita enquanto o cara esporrava de encher a boca da danada de porra! Ela é gostosa e fudedora, pensava ele, mas num dá, fode com todo mundo. Enquanto olhava pela brecha a safadeza, alguém se aproximou e disse: - Essa mulé do Rege fode, num é? Ela é casada? Uai, sô! Iapois, casada e deixou dois completamente lisos e falando sozinho! Foi mermo? Uai, tais pensano o quê? Essa mineira fode com a mão na cabeça e pedido mais rola no rabo, na priquita e no boca! Eita! Nunca mais mineira na sua vida! Teve tanta raiva de não poder ouvir falar em Minas Gerais. Queria arribar dali já, urgente! A gaia da mineira deixou o sujeito desarrumado. Estava perdendo o juízo, não sabia o que fazer. Arranchou-se totalmente chateado, até que pegou no sono alisando os cornos.

Três dias depois fora transferido para Pedro Leopoldo e, com mais cinco passados, estava de novo em Belo Horizonte, num galpão com centenas de pessoas, cheio de dedos, trezentas pernas, no meio de psicólogos, gente grã-fina, bigodões, caras fechadas, língua estranha, slides, filmes, fotos, tudo sobre um lugar chamado Iraque. Era tudo muito estranho, roupas, costumes, o jeito completamente diferente do usual. Onde se metera? Confusão profusa em sua mente. Não bastaram as gaias para deixá-lo todo desacertado, agora esse povaréu todo. Foram vários dias de verdadeira lavagem cerebral, largando do galpão dos estranhos completamente perdido no tempo, diretamente para um ônibus com destino ao Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa, juntamente com outros trinta e cinco escolhidos. Nunca vira tanta maravilha de uma só vez, o mundo escancarava as portas de forma que não conseguia compreender tudo devido a instantaneidade do momento. Na capital fluminense tudo por um triz, nem deu tempo de conferir alguma carioca perdida para uma foda boa, fora logo jogado no aeroporto dentro de um avião da Sas Escandinava, com destino ao centro da guerra no Golfo Pérsico. Ele nunca andara naquilo, no máximo conseguira sair do chão quando dava um pulo. E agora se encontrava de supetão nos ares, montado, segundo seu próprio juízo, num bicho do cão. Quem era ele, hem? Um leguelhé, pé-rapado, engolidor de sapos, fodido da vida, dado à coxia e à gandaia, agora num avião, sonhando com o país de Cucanha, conhecendo coisas bonitas e a caminho do império do petróleo.

Logo na largada da aeronave deu-lhe uma caganeira, tremendo de medo. Não se continha, tremia dos pés a cabeça. Terminou com a bosta fedendo dentro da aeronave e ele, lívido e sem saber o que fazer.

A aeromoça distribuía aos passageiros uma revista com as sete maravilhas do mundo e, na vez de Góis, ele alegou não ter dinheiro para pagar, uma vez que se encontrava liso, sem um tostão no bolso e com destino a um emprego no exterior que só iriam lhe pagar o primeiro salário sabe lá Deus quando. A moça educadamente interrompeu a sua lamúria insistindo se tratar de cortesia da companhia de aviação para seu entretenimento durante a viagem. Cortesia? Que droga de moeda é nove ? Não, não é dinheiro, não, é de graça! Ah! Sim, pois não, pensou, depois, que penúria a dele não poder pagar por algumas páginas a uma moça tão bonita que dera a revista de graça para ele. Envergonhou-se de si. Olhou-a dos pés à cabeça: - Isso é que é mulherão! E pensou consigo: - Ah, eu com uma dessa! Era foda até umasoras! Mais ainda desconfiou-se quando percebeu que a moça se afastou com a mão sobre o nariz. - Eita! Deve estar uma fedentina da praga! Hum! Todo ancho folheou, folheou, o banana se encheu de vida ao saber que podia conhecer aquelas paisagens impressas nas páginas. Adiantado todo, sonhou no meio das nuvens, já se via fotografando as pirâmides do Egito; os jardins suspensos da Babilônia; no túmulo de Maosolo; no templo de Diana, em Éfeso; no colosso de Rodes; pendurado na estátua de Fídias representando Júpiter; e o farol de Alexandria. Era tudo maravilhosamente lindo aos seus olhos: o coliseu-romano, as catacumbas de Alexandria, a grande muralha da China, a torre inclinada de Pisa, a torre de porcelana de Nanquin, a igreja de Santa Sofia, em Constantinopla; e os monumentos pré-históricos de Stonehengem, perto de Salysbury, ao norte da Inglaterra. - Para quem monta cavalo esperto, toda lonjura é perto!

Quando o avião já fazendo a primeira escala em Lisboa – Eita, o bicho agora botou pra cair! Empinou a venta pro chão, vixe! A zoada da aterrissagem deixou-lo doidinho. Só começou a ficar melhor quando o avião estacionou para abastecimento. Foi quando começou a dar um jeito na agonia. Dali a pouco, tudo de novo. Reabastecendo rapidamente para seguir viagem, ele pensou que aquela hora era propícia para tirar a bosta da cueca. Com a aterrissagem Góis ficou completamente mouco. Seu aparelho auditivo doía muito. Tô mouco! Tô mouco! Deram-lhe uns tapas-ouvido que ficou bonzinho na hora. Um pouco tonto. E mais bosta escorregou pelo furico cueca a fora. Felizmente socorreram-no e carregaram o cagado para o banheiro sob a exigência de se limpar, vez que incomodava os outros passageiros. Foi uma mangação. Quando arreou a calça, a cueca estava cheínha de excrementos já esborrando, ai, jogou fora e ficou só com a calça, assim, na jante com a costura roçando-lhe o rego da bunda, incomodando de jeito num ficar quieto na poltrona. Desconfiado de andar fedendo a viagem toda, sentou-se na poltrona que estivesse mais distante dos outros e debulhava, assim mais tranquilo e bem acomodado, todas as maravilhas fotográficas impressas, era um regozijo, uma felicidade sem limites, um despudor de alegria.

O avião aterrissou de novo em Copenhague onde nosso herói teve, verdadeiramente, pela primeira vez na vida, um dia de turismo. Hum! Arrepare só. Já estava todo ralado, a bunda e os colhões em carne viva pelo descostume de andar sem cueca, mas confortavelmente aposentado numa poltrona de um ônibus chique, com todos os companheiros de viagem, tendo por motorista uma galega de dois metros de altura, falando muito com ele e, eles, nada de entender coisa alguma. Passearam o dia inteiro, conhecendo o palácio real de Amalienborg, a ponte elevadiça, o museu de Thordwaldsen, a estátua da pescadora, a estátua da pequena sereia, a praça dos velhos com seus cães de raça e, do outro lado, outra praça exclusiva aos viciados. O que mais lhe chamara a atenção e de seus comparsas foram as revistas de sacanagem e a pornografia dinamarquesa que invadia aquele país. Um de seus colegas, o Haroldo, aproveitou a ocasião turística e fez aquisição de uma boneca inflável, caso o negócio lá fosse pegar seco, saciando os seus instintos sexuais quando a necessidade desse aperto, precavendo-se do país que o esperava.

No dia seguinte, noutra aeronave, seguiram para a Jordânia e, de lá, num cata-corno especial, seguiram para Bagdá. Estavam eles numa verdadeira odisseia por terras mesopotâmicas. O calor e a falta d'água fizeram a recepção na capital iraquiana onde todos se instalaram num alojamento da construtora, no quilômetro central 215. No acampamento a falta de água era iminente visto que o rio Eufrates baixara de nível. Tudo era muito escasso no lugar. Soubera logo de fatos e acontecimentos ocorridos, notando a beligerância dos nativos. Ficara amedrontado ao tomar ciências das guerras contra Israel; da intervenção da Jordânia na crise do canal de Suez; das tentativas de anexação do Kuwait; dos problemas com os curdos; das hostilidades diplomáticas com a Síria e o Irã por interesses territoriais e petrolíferos no Golfo Pérsico. Soube, ainda, de um tal líder baathista anunciado como Sadam Hussein al-Takriti que contestava insistentemente a liderança egípcia sobre o mundo árabe e mantinha uma rígida posição contrária à existência de Israel.

- Isso não é um lugar para se viver, é a recepção do inferno!

Uma notícia correra fácil de que os japoneses meteram o pé na bunda ao primeiro tiro que ouviram. Só os brasileiros ficaram no canteiro de obras. – Melhor morrer na guerra heroicamente do que de vergonha na minha terra! –, remoía Góis justificando a sua enrascada e esconjurando Cassiano por metê-lo numa região arrodiada de bronca por todos os lados.

– Este é o paraíso que prometeram? –, reclamou decepcionado com tantas promessas de mundos e fundos e, ali, estava ele em plena guerra, no meio de fanáticos muçulmanos cheio de grandes problemas por causa de um tal ouro negro, não tendo nada a ver com aquilo e, o que é pior, sem água, sem conforto e com o mínimo de esperanças possíveis de um dia arredar o pé dali.

No primeiro final de semana os amigos convidaram para conhecer o monte Rost-Hazaret. – Deus me livre! –, negou-se de ir buscar zoeira, ficando ali mesmo quietinho, esperando que a guerra viesse para a banda dele. - Deus me livre de atiçar ninguém, se quiser brigar que venha pra cá! Não iria nunca ele atrás de ver a morte de perto, - que vão! Eu fico aqui, daqui não saio!-, renunciando ver o deserto de Chamiye, a depressão mesopotâmica, nem a beleza do delta de Chatt-al-‘arab desaguando no Golfo, canal esse, fruto de guerras com o arqui-inimigo Irã. Foi nada!

Os primeiros seis meses foram deprimentes. Martelava no seu peito uma saudade de casa, dos parentes, dos amigos, da bodega da esquina, da vida boa, era feliz e não sabia.

Certo dia aumentou ainda mais a sua repulsa daquele lugar, desejando avidamente voltar para o seu cantinho, ao presenciar o apedrejamento de uma mulher em plena praça pública, fato que se dera devido adultério e se a família dela não permitisse o massacre, teria de sair da cidade e formar seu próprio prostíbulo distante dali. - E o que é comum lá é o próprio pai assumir o lupanar, tornando-se cafetão de suas próprias filhas, comentou alguém, e ele nem entendeu direito as palavras: - Ora veja, se isso acontecesse no Brasil não sobrava mulher viva. Tanta pacutia por causa de uma gaia a mais, uma gaia a menos, todo mundo é corno mesmo! O incidente bateu de frente com os princípios religiosos de Góis de que numa mulher não se bate nem com uma flor, causando-lhe verdadeiro asco por aquele povo ofendido e cheio de quizília. – Não preciso disso, uma gaia não dói! E mulé foi feita pra fodê mermo! Se o cara num dá vencimento, tem que ir pra gaia! Tudo isso foi presenciado uma tarde quando ele foi saindo dos seus aposentos com alguns dinares no bolso, pronto para aplacar seu desejo numa nica-nica, percebendo a promiscuidade violenta do lugar, onde mulheres dali eram verdadeiros recipientes de doenças venéreas. Vários de seus amigos estavam acometidos de enfermidades crônicas quando não com as piores moléstias do mundo. Preferiu ele, entretanto, economizar em seus gastos e manter-se ileso, evitando qualquer problema de saúde, embora seu companheiro de quarto aderira a iniciativa de muitos de seviciar animais. Inclusive Haroldo estava se servindo de um jumento e o flagrante do fato proporcionou o maior rebu com polícia e tudo. Resultado: o réu teve de indenizar o bicho ao seu proprietário e o animal foi sacrificado em praça pública.

A temperatura durante o dia alcançava a marca dos cinquenta graus centígrados, baixando para a casa dos vinte, ou menos, quando caía a noite. Quer dizer, calor desgraçado de dia e um frio medonho de noite. De manhã as serviçais do compartimento levavam toalhas quentes e felpudas para que os funcionários amaciassem o rosto e acordassem melhor para o dia de trabalho. Toalhas bonitas, macias, coisa do outro mundo que Góis mordeu uma pensando se tratar duma tapioca. O trabalho era duro: cachorro que fuça tatu acha mordida de cobra. Os incidentes no alojamento, também. De cara ele virou logo testemunha de um flagra da mulher do engenheiro-chefe da obra fodendo com um árabe sobre uma mesa de sinuca, no clube dos voluntários. Foi um verdadeiro cu-de-boi no meio de campo, telefonemas anônimos ameaçavam-no de morte se se metesse a besta e desse com a língua nos dentes, delatando o fato ao chefe. Toda santa tardinha o telefone tocava com uma voz forte aconselhando-o a ter juízo e não se meter a alcaguete por aí abrindo o bico.

Os seus amigos Donaldo e Bolinha, irmãos desesperados, queixavam-se o tempo todo da falta de entretenimento e de não ter como gastar o dinheiro ganho com suor, trabalho e risco. Ouvia-se apenas estrondos distantes que ousavam se aproximar deles.

Na vila dos casados do acampamento havia sempre um bate-boca por causa da infidelidade das mulheres que se encontravam no distrito acompanhando seus maridos, os graduados da empresa. Elas, que somavam, no muito, seis dezenas delas em todo compartimento, tornavam-se por isso frutos de verdadeiras cobiças masculinas, já que os peões totalizavam os milhares por todo recanto. Elas se deixavam seduzir entregando-se às varias trepadas por dia, felizes de sua minoria no local. Os pederastas, aos tantos, arengavam muito devido a disputa desse ou daquele macorongo, ou mesmo por ciúmes. Por falta de alternativa muitas vezes eles lutavam espada horas a fio da peia ficar dormente. Trocavam cavalo mago formando uma cumplicidade irrevelável entre eles. Quando não era isso, era o Roberto contando histórias de Trancoso, aquelas histórias para boi dormir. Era triste, contudo, havia bastante divertimento. E Góis que sofrera que só sovaco de aleijado, já era sabedor que uma desgraça nunca vem sozinha e chegou bem perto de morrer ao se encontrar na casa do chefe do almoxarife, a mulher dele boazuda, gostosa, grandona, quartuda, numa sedução das grandes com um calçãozinho menor que o número dela e um decote bem cavado mostrando os peitinhos que ameaçavam pular fora; deu em cima do infeliz, causando grande agonia no cristão. O chefe desconfiou da trapaça e deu a maior goela para cima do subalterno. Não levou um tiro nas fuças porque se acovardou de ir em frente com o flerte, desvencilhando-se de fininho, com o rabo entre as pernas, evitando maiores complicações. Escapando da fatalidade, foi até o clube, saindo-se da pior e deitou-se no leito de Procusto com Geraldo: morrendo na mão como estava, defrontou-se com o efeminado cheio de carícias e frescuras pro lado dele. A partir de então não lhe faltou mais dinheiro nem atenção nem sexo, foi o mesmo que acertar na quina da loto no pior dia de urucubaca. Os colhões inchados pelo rebolado da mulher do chefe, pica dura o tempo todo, ora, buraquinho quente de pirobo, arregaçou a pomba no caneco do baitola até altas horas da madrugada. Saciado, trancou-se no quarto para registrar sua façanha no diário de todos os acontecimentos de sua vida. Diário este que desaparecera ninguém sabe como.

As grandes dores são mudas e ele que entregou o pescoço à canga sabia que cacunda de besta é poleiro para esperto. Por isso, pouco tempo depois sofria com dores dentro da noite por causa de um acidente: quebrara a perna quando se mostrava a dar piruetas com patins. Suspenso do trabalho por ordem médica passou então a receber a visita assídua de Geraldo que serviu de enfermeira e saciando-o quando estava doido para comer pastel de carne mijada, neste caso, de carne cagada.

A necessidade desconhece a lei e quando a jabuticaba é pouca, a gente engole até o caroço, se confortando, assim, no meio de uma posição indelicada, gesso na perna, absolvendo-se já de qualquer reprovação alheia. É certo que zunzunzuns maledicentes rondavam acompanhados de risinhos, escárnios e apupos comprovadamente pela sua camuflagem na amigação com o pederasta. A reprovação era geral e se constatava no flagrante dos cochichos ou no baixar dos olhos e mudança de assunto quando da sua chegada à roda de amigos. Geraldo àquela altura do campeonato era o seu recipiente pro aconchego, o seu saco de pancadas, a realização do seu ego. Não era nada explícito aquele relacionamento, tinha vergonha de se expor como um macho de viado, como ele mesmo se dizia, muito embora, na penumbra dos quartos e dos lençóis, se entregava fundo a mergulhar na mais profunda das águas das paixões.

Chegara o inverno e com ele a temperatura descera a dez graus abaixo de zero e, com esse frio tremendo, todos se enrolavam em miolo de pote. Uma saudade danada dominava no peito justo quando a noite engelhava a carne. Quase um ano fora de casa, sem parentes, sem vagabundagem, no meio de uma torre de babel violenta, fria e ameaçadora, já que a guerra, felizmente, corria do outro lado. Até que um belo dia, inesperadamente, chegaram as férias após um ano e seis meses de trabalho. Haroldo, Roberto, Donaldo, Bolinha e outros do seu relacionamento, acompanharam-no na viagem de volta para rever amigos, parentes e entes queridos. A despedida de Geraldo fora das mais travosas, daquelas de dar nó na garganta. Seguiram para a Jordânia de ônibus, lá passaram quatro dias visitando lugares santos, indo até a Babilônia. No retorno, apanharam o avião que fez a primeira escala em Amsterdã para abastecimento. Tanque cheio e já no ar, fora obrigado a um pouso de emergência, ao ser encontrado um bilhete na aeronave alegando que ela iria explodir em cinquenta minutos. Uma bomba no avião, que agonia! Que falta de sorte filha da puta, justo nas férias, no começo do gozo, da descontração, acham de por cargas d’água sei lá, colocar logo uma bomba no avião que ele transitava, tanto avião por aí, voando a esmo, justo o meu! O transporte aéreo fora orientado a desabastecer no ar para possibilitar o pouso forçado no aeroporto de Manchester, na Inglaterra. Após o vuque-vuque todo da aterrissagem, os passageiros enfrentaram outro problema sério: ficaram detidos por mais de oito horas sob as investigações da polícia para descobrir, dentre eles, o responsável ou cúmplice daquele atentado. Na inspeção da bagagem sobraram duas maletas sem dono que adiaram ainda mais por horas a partida dos enervados brasileiros. Não foi fácil, pra lá e pra cá, polícia, imprensa, investigadores, familiares, empresários, caboetas, a impaciência dominava todo mundo quando, finalmente, foram liberados num voo direto para New York, dezesseis horas depois do vexame. Góis no meio do rebuliço estava indeciso: ou se escondia para não virar suspeito; ou aparecia na televisão para ficar famoso. Era, chegara a sua chance, ou merda ou rá. Já pensou ele entrevistado como vítima de um acidente aéreo em plena Inglaterra? O que diriam? Fez esforço para aparecer frente às câmaras de televisão, mas quando se posicionava o cinegrafista mudava de alvo. Então ele deu pinote, cotovelada, enganchou-se nuns quatro que também queriam aparecer, deu chauzinho, fez careta, plantou bananeira - Sai-te, desgraçado, deixa eu aparecer! -, enfiou dedo no cu de intrometido que atrapalhava sua passagem, deu tapa nas ouças de desavisados, empurrou no peito, até que levou uma mãozada que ficou desconcertado, só tomando conta de si dentro do avião. Devido atraso da viagem com o incidente na Inglaterra, novo impasse coçava a situação: perderam o voo para o Rio de Janeiro. Pois é, urucubaca grande só presta com desmantelo exagerado: ficaram mesmo na grande metrópole norte-americana, hospedados num hotel, para eles, de luxo, refrescando-se da agonia que ainda imperava em seus corpos, resolvendo pegar um táxi e sair visitando tudo quanto fosse de interessante por aí. Foram até a Quinta Avenida, tomaram chope no Empire States, se maravilharam com o prédio das Nações Unidas; fizeram volta pelo estádio do Cosmos; compraram souvenires para impressionar o pessoal quando chegassem ao seu destino de origem. Magote de bicho besta, empáfia de ancho, lá estavam eles na América do Norte, desfilando como se fossem gente. Oxe! E como pintaram e bordaram ultrajando a burocracia norte-americana. Ora, Haroldo foi o primeiro a retornar ao hotel devido uma caganeira violenta remexendo seu estômago, obrigando-o, às pressas, um sanitário. A pressa foi tão grande que ele se enganchou com a fechadura da toalete, insistindo na maçaneta que não atendia seu impulso, de um lado pro outro sem abrir, não conseguindo transpor a porta divisória, não teve dúvidas, olhou pros lados, notou ausência de pessoas, levantou o tapete chique e depositou a merda ali mesmo. Nem se limpou, levantou as calças e, depois da merda rala escorrendo, fugiu para o apartamento.

Depois foi a vez de Roberto, descansando no apartamento, sono solto, roncando que nem um anjo, foi incomodado pelo alvoroço de Haroldo, aos berros. Que foi? Haroldo que mal saíra de um vexame estava encurralado noutro verdadeiro cu de boi na área do Central, tentando apagar o fogo. Roberto ainda sob o efeito do sono pesado em que se encontrava, só se deu conta ao ser esbofeteado pelo amigo e invasores do quarto. É que depois de procurar incansavelmente por uma boceta norte-americana, não conseguindo sequer um cocoruto feminino, recolheu-se aos aposentos a ingerir bebida alcóolica além da conta, se satisfazendo com a boneca dinamarquesa de Haroldo comprada na Holanda. Após o ato sexual, já exaurido, acendeu um cigarro e adormeceu no meio da primeira tragada. A cinza do cigarro cresceu, alcançou a boneca, dando inicio a um incêndio, só dominado por intervenções múltiplas de Haroldo, Roberto, funcionários do hotel e curiosos outros voluntários. Os prejuízos foram grandes, obrigando o marmanjo a lavar prato por mais de quinze dias, satisfazendo as exigências cobradas pela gerência da hospedagem, relativo aos danos causados inadvertidamente. Isso tudo sem contar com os acessos de ciúmes do Haroldo, agora na condição de traído e ainda ficar sem mulher, consumida pelo fogo. - Isso não é turista, são imitações baratas dos Trapalhões, ao vivo e à cores -, Góis que tomara uma empenada, se perdera pelas ruas nova-iorquinas, só sendo encontrado seis dias depois no maior dos porres.

Os intrépidos cavalheiros, farinha do mesmo saco, parecidos até, cuspido e cagado, chegaram por fim, ninguém sabe dizer como, nenhum deles relatando a mesma história, conflitos narrativos na checagem dos depoimentos, enfim, no Rio de Janeiro e já se deliciavam com um chope num restaurante do Galeão, despachando a bagagem para Belo Horizonte, a exceção de Góis que preferira desembarcar no Recife.

Apesar do cansaço a recepção calorosa dos familiares em Alagoinhanduba deixou-lhe com lágrimas nos olhos. A chegada fez com que se tornasse o roliúde do momento, de abraço em abraço, bancando o bem sucedido filho da terra: - Me viram na televisão? Me viram? -, aquelas quizílias do passado, perderam-se anos atrás e, sem vigência, agora, podia olhar no olho com altivez. Não possuía mais nenhum motivo para vergonha, era o tal, superior até, esquecera até do sofrimento no Iraque, contando história de vantagem, gabando-se de sua coragem, heroísmos pessoais, excelências no trabalho, causando inveja nos outros que já mencionavam a possibilidade de seguirem seus passos quando retornasse para o exterior. E ele dava a maior corda numa pabulagem sem fim, o dia inteiro, entrando pela noite, madrugada adentro. O seu depoimento estava carregado duma gabolice tal de responder a todas as perguntas dos curiosos que não se cansavam de ouvir suas invencionices. A família, agora, se orgulhava dele. Bancava contas no bar, dinheiro de sobra para feira, amostramentos, caprichos, virge! Quanta leseira de uma só vez.

Não demorou muito o seu trono, as férias foram encurtadas devido imprevistos. Quase consumidos, Góis telefonou para a empresa e, dominado pela surpresa, quase caíra de costas, sem fôlego. Recuperando os sentidos insistiu novo telefonema buscando maiores detalhes daquela noticia ruim que lhe acometera numa catatonia brusca. Reclamou com a telefonista, aos berros, refez ligações umas quatro vezes, não acreditando no que sucedera, esmurrou o telefone e mandou tudo para a puta que o pariu! Estava assim, sem mais nem menos, dispensado do emprego. De novo na pindaíba, o negócio da China gorara. Mãos abanando, curtindo a tarde com sua aventura no Oriente. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.


Imagem: desenho do pintor russo Alexej von Jawlensky (1864-1941). Veja mais aqui.

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JUDITH BUTLER, EDA AHI, EVA GARCÍA SÁENZ, DAMA DO TEATRO & EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA

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